domingo, 14 de dezembro de 2008

Faxina

Triste, varro a casa. Para longe com todo esse pó. Triste a varro (pela última vez?). Para longe, com sorte, as lembranças também. Varro todo esse chão, os azulejos brancos que escolhemos em viagens e visitas às cerâmicas. Com a vassoura tiro grandes teias de aranha que tomaram conta da varanda. Varanda, aquela varanda que imaginávamos com redes, cadeiras e tardes de leituras. Passo pano pela sala. As suas paredes, nós mesmas as pintamos, com a ajuda dos amigos num dia que acabou tarde da noite, com cansaço, suor, conversas, risadas.

Me largo um pouco a observar o quintal sujo, mal-cuidado: terra batida somente, mato seco, telhas amontoadas a um canto. A grama lisinha que esperávamos nunca chegou. Nem a unha-de-gato para o muro. A pequena horta de temperos e chás também não. As treliças com parreiras e flores de maracujá... Aquela muda de primavera não vingou para plantar ladeando o portão. Nem mesmo o balanço de pneu embaixo da velha árvore. Tampouco a tal da casa na árvore que ele semi-planejara. Para tudo faltou tempo, faltou dinheiro... (mais dinheiro do que tempo se me permitem comentar).

Só no pequeno canteiro temos flores. Eu, a terra, a enxada, as mudas, uma tarde, as plantei. As rosas crescem, já quase metro e meio, vermelhas e brancas, cheias de botões. As margaridas florescem de gordas touceuiras. As lágrimas de cristo dão flor em cachos e certamente crescerão em volta da pilastra, como desejávamos. Só não estaremos mais aqui para ver. Só as azaléias é que continuaram tímidas e miudinhas (lá perto do chão só uma florzinha cor-de-rosa).

Pano com álcool para limpar a pequena pia: branca, de mármore, nosso pequeno orgulho (pois enchíamos assim o peito e dizíamos uma à outra, entre risadas: "Que chique nossa casa! Temos até uma pia de mármore no banheiro!" ). Força nos braços, pano e uma cadeira para tirar todas essa manchas dos vidros. Aqueles mesmos, tão sonhados, ( "Que vista linda!" ), que a duras penas foram quitados. Facas, alho, panela, arroz, feijão. Faço almoço para duas. Lembro tristemente que a minha comida (da qual todos sempre gostam) ele rejeitava sem nem sequer experimentar.

As mãos ficaram vermelhas, um pouco doloridas, duras, da vassoura, do rodo, dos baldes. Dolorido também meu peito, um pouco mais duro, com sorte, também.
A casa cheira a eucalipto. A cozinha a fins de almoço. Meu corpo a banho.
Fecho as malas. Vou-me embora. Vou para longe desses sonhos tristes e moribundos, para que morram logo, por inanição. Vou ficar algum tempo sem sonhos, algum tempo só presente, pés bem firmes no chão.

Essa casa vai ficar fechada, navamente suja e empoeirada. Mas vai ganhar bem no meio da fachada uma placa grande, destacada:

"Vende-se"

Uma outra casa, meio mal-assombrada (minha irmã-de-alma lá de Vitória é que entende desse tipo de casas) vou guardar numa gaveta lacrada. Portas trancadas, janelas pregadas. Triste relicário. Arruinada. Conservando aquele característico odor de sal, limão, pão-de-mel e cerveja.

Meu coração, terreno baldio, inapropriado para habitação. Só uma plaquinha. Talvez. No cantinho. Recatada. Pequena. Há muito não utilizada. Esquecida. Enferrujada. Onde mal e mal se lê a mensagem, semi-apagada:

"Aluga-se. Tratar com proprietária."

domingo, 23 de novembro de 2008

é que dói mais. e mais. e mais
e eu nem sequer consigo entender
por quê?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

continuação

ou será só tristeza
o que me leva à loucura?

sussurros da noite

que tênue linha separa-me do arroio da insanidade?

já não levo eu as pontas dos pés banhadas nesta calma, murmurejante correnteza, que sussurra em meus ouvidos e ensandece-me?

o que fazer quando o comum já não é suficiente
e a loucura seduz-te,
amedronta, tal qual canto de sereia?
ouve! ela está cantando em meu ouvido
oferecendo-me o abraço apertado de que preciso!
sinto-me apavorada e seduzida
ela está cantando em meu ouvido.
mas que pavorosa canção!

tu chamavas-me louca só porque acompanhava-te em tuas idéias engraçadas, indecentes e perigosas
não fazes idéia de quão mais profunda é esta minha loucura.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

eu sonho melancolicamente
imagens loucas que nunca vou presenciar.

ah! esperança opressora,
quisera eu arrancar-te de meu peito!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

De todo coração

material etéreo
gira nas pontas
voa, voa, leveza.

branca, bela, bailarina

mas é que ninguém vê
por detrás da brancura
suor, sangue, lágrima
(literalmente, não só
metáfora ou clichê)
fedor, inveja, superação
caminho doloroso rumo à
beleza. perfeição das
formas
solidão
paixão

branca, bela, ela voa
pula, gira, encanta

Ah, mas que encanto essa bela
branca!

terá matéria?
etérea.
branca, bela, voa
encanta.
Giselle? Coppélia?

de quê será feito, afinal, essa bela?
tintas de Degas?
acordes de Tchaikovsky?
ou movimentos de Berjat?

será de açúcar essa fada?
será ela Ana? Botafogo, Pavlova ou secretária?
leve, bela
anda nas pontas
numa poça de azul no palco.
mais parece andar no mar
no ar

brancas, belas, leves, etéreas
dedico esses versos a todas elas
que amam, que sofrem, se dedicam
para dançar
é, dedico a todas elas
que não tem coisa mais encantadora
mais bela
que bailarina a se movimentar

terça-feira, 28 de outubro de 2008

sabe, de repente a inspiração me fugiu
a espontaneidade me fugiu
a excitação também me fugiu
e você fugiu de mim

sabe, é que eu fico cansada de esperar
tem essas grades que eu quero quebrar
distância que devia deixar de existir

sabe, às vezes eu fico fraca, fico boba
e essa incompatibilidade de tempo machuca
e cadê aquela nossa ligação?


sabe, é que isso me lembrou Rousseau
(é, com seu Emílio e educação)
a gente sacrificando o presente
na esperança do que tá por vir

sabe, por um nada eu sou capaz de chorar
querer perverter, querer mudar
mas é que esse hábito de sonhar
(e rimar)
tá enraizado aqui

sabe, aí eu pego as lembranças boas
e me alimento delas nos tempos ruins
esperando
esperando
esperando o dia que muda
(será que muda?)
a gente espera que sim

sabe, ah você sabe que isso machuca!
não sabe?
mas não dá pra reclamar
você sabe, não? lembra?
foi a gente (fui eu) que escolheu assim















e lá vai você, indo embora no monza ...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

De pedra (e alguns sonhos)

Por vezes pareço não ter mais forças. Por vezes tenho vontade de amolecer, dizer feminina, mole e bobamente "não me deixe só" para um alguém que se esconde no vazio. Simplesmente não mais resistir, deixar o peso ceder sobre as pernas moles, escorregar para o chão, escorregar nesse mau-estar.
Não mais resistir frente às centenas de rostos desconhecidos que esbarram meu caminho, aos carros que me cruzam em perigo constante, ao silêncio, à solidão, ao fedor que me invade as narinas, à tontura que me entorpece, às perdas, às ausências, às loucuras das relações e das pessoas. Dissolver. Disminliguir.
Mas então vejo minha silhueta na sombra projetada contra o chão. E percebo que não posso deixar-me amolecer, enfraquecer, pois assim estaria traindo a mim mesma.
Sim. Traição. Pois essa que sou é construção só minha.
Estive sempre sozinha, e sozinha me fiz. Em todos os tombos não apoiei-me em mão alguma para me reerguer. E, em todas as mais insanas dores estive só. Cada lágrima derramada foi matéria-prima do cimento que agora me sustenta.
Tive, por vezes, influências e abraços que me confortaram. Mas sozinha exorcizei meus próprios demônios. Sozinha descobri meios para isso. Apoiei-me na música, nas palavras e nos sonhos. A verdade é que ninguém me conhece por inteiro.
Pois assim me fiz. Sozinha, dura, de pedra. (É, assim mesmo, lembrando Clarice). Meus passos rápidos, meu olhar sério, são a minha obra prima e meu orgulho.
Não sei onde quero chegar. Mas sei que conto sempre comigo mesma.
E não devo me trair.
Fiz-me dura para viver; não para me esconder, não para esmorecer.
Para seguir meu caminho e enfrentar o mundo. (ou se não o mundo, ao menos as barreiras na minha frente)
Sem medo. Sem nojo. Sem vergonha.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

palavrinhas-chaves

poesia, liberdade, proteção, fertilidade

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Perdidos Achados

Não é sangue o que me corre nas veias,
é verdade.
A verdade que existo,
que estou aqui agora
e que meus pés tocam o chão.

Um rio de palavras me corre nas veias;
grande parte da minha matéria é de papel.

(25/02/08)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

"Eu me aprofundei em mim e encontrei que eu quero vida sangrenta..." (Clarice)

Eu não sou boa.
Dentro de mim há também preconceito.
Floresce-me também raiva, medo, desdém,
orgulho, vaidade, ódio, desejo
e até alguma perseverança.
Não digas que sou boa:
não me conheces por inteiro.
Não me tires todo o peso,
pois essa leveza não combina
tanto assim com a minha alma.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Despertar Triste

uma ilusão tão viva...
estávamos juntos, todos conversando,
a pequena fazia bagunça com a válvula da descarga,
ela mostrava uma saia antiga,
ele só ouvia
e eu me preparava pra entrar no banho.
Era fim de tarde em casa de roça,
o vento soprava fraquinho,
peguei a toalha no varal, mato.
Ele pegou a pequena que fazia bagunça no banheiro -
eu ia tomar banho, oras!
Ela me ajudava a abrir o zíper do vestido nas costas.
No momento em que me virei
nada mais havia.
Só essa saudade, essa falta, o vazio...
e a cama quentinha que eu tinha de deixar.

terça-feira, 23 de setembro de 2008


Ela me olhou séria através do espelho.

_Sem dó?
_Sem dó!

A tesoura rangeu e muito cabelo vermelho foi ao chão.

sábado, 20 de setembro de 2008

úmido

é chuva, é cinza, é um sorriso ausente de meus lábios
até forço, mas ele não quer vir não

é saudade, são sonhos
sonhos de futuro, sonhos que embalam,
mas que também potencializam a saudade

é solidão, solidão...
e essa distância que corta, aperta.
afogo tudo no efeito narcótico dos sonhos, da evasão, sair de mim
(e talvez algum àlcool, passos de danças loucas...)

é bom até
conseguir por um momento
loucamente acreditar que os beijos jogados pela janela vão atingir seu destino
(então uma força vinda sabe-se lá de onde me faz realmente levantar, abrir a janela e soprar beijos para o ar da noite)
e essas lágrimas que não sei por que vêm
de onde vêm

só espero, loucamente também, ouvir as batidas dos abraços na minha janela

(onde estão? onde estão?)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Casa

Faz calor. Uns trinta graus. Sol. O tempo é seco. (umidade do ar cerca de 17% - mais de 140 dias sem chovar)
Quase cinco da tarde - o céu é claro, azul quase branco sobre o verde de um morro de um lado. Os pés de Macaúba se destacam entre as outras árvores. Do outro lado o Sol se esconde atrás de nuvens brancas, deixando os raios dourados passarem por suas bordas. A luz me deixa ver apenas o contorno negro da copa redonda e cheia de galhos retorcidos do grande pé de Espatódia.
Não vejo as cinzas agora, mas sei muito bem que a cana queimada me cerca por todos os lados. De vinte em vinte minutos a boca fica seca. Quero água.
Abri a porta da sala para deixar entrar uma brisa, mas o ar está parado. Somente o barulho dos carros que passam voando na rodovia.

Noite passada fiquei bastante tempo do lado de fora. Vendo a Lua e ouvindo os sons... do vento na copa das árvores, das folhas e ciscos sendo carregados pelo chão, das cigarras, da rodovia ao longe...

Minha vontade agora é deitar no chão da varanda - chão de azulejos brancos recém lavados, refrescar o corpo semi-nu.

Eu adoro esse lugar!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

(in) Decisões

sou uma eterna busca
e um constante sentir

busco nos meus gostos um caminho . . .



pra ver se me encontro
________________________________

"Que sei eu do que serei, eu que não sei quem sou?"
(Pessoa - Tabacaria)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Diário de viagem

Conhecer é mais que ver e visitar.
É conversar, perguntar, ler, ir...
e entao sim... conhecer.

domingo, 13 de julho de 2008

agora tenho certeza: nuvens sao mesmo feitas de algodao!
Um algodao muito bom pra se tirar uma soneca deve ser!

...Acima das nuvens o tempo é sempre bom....


(desculpem a falta de "tios" nos A´s. teclado hermano é diferente...)

domingo, 29 de junho de 2008

Nota. Vidas ressecadas, sonhos tão universais. Percebe bem a beleza duma canção de lavadeira.


O Cordel Estradeiro
(Letra e música: Lirinha)

A bença Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão

Meu moxotó coroado
De xiquexique e facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada

É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão

É inverno e é verão

É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão

Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola

Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
tanto corta como espana.
Sendo de baixo pra cima
voa do cabo e se dana.

domingo, 22 de junho de 2008

Desabafo. confuso, pode ser...

Já perdi as contas de quantas pessoas me disseram o quanto eu sou madura. Elas semprem dizem isso, em tom de elogio. E eu sempre aceitei também, feliz, em tom de elogio. Só que não é.
Na verdade é triste.
Olha só. Olha bem. Eu tenho só 17 anos e espinhas na cara. Eu devia ser só uma menina.
Não que eu não goste da maneira como sou agora. Gosto. Mas essa maturidade não foi por um caminho natural. Foi acelerada. Acelerada por coisas pelas quais uma menina não devia passar.
Porque é cruel. É cruel fazer alguém se tornar adulto de uma maneira mais rápida. Cruel porque é doloroso. É um caminho muito doloroso de se atravessar.
E também, quando se adianta um relógio, algo se perde. Pedaços de uma vida cronológica comum. Não pedaços que eu queira agora viver. Não combinam mais comigo. Mas é um sentimento estranho, talvez de falta, ouvir alguém contando de uma época, de um pensamento que tinham, de uma vivência que passou, e era boa. E você pensa... eu não tive uma igual. Nem parecida.

Pode soar confuso tudo isso, mas desabafos são assim mesmo. Confusos.
Eu sei que não sou a única forçada a amadurecer rápido, existem tantos mais por aí. Mas não devia ser assim.
Meninas deviam ser só meninas.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Lá no alto

as nuvens passam
formando e desformando figuras.
Bom mesmo é
ter com quem observá-las,
e depois guardar aqueles momentos
numa bolha de sabão.

domingo, 8 de junho de 2008

Óculos Roubados

Crianças gostam de observar. Elas reparam nas pessoas, nos detalhes, em cada pequena coisa, e põem-se a imaginar em cima delas. Eu acho que sou ainda criança: sento-me no metrô e observo rostos, roupas, expressões, sapatos para lá e para cá.
Minha infância foi de andar a pé, por estradas de terra, pontes banguelas de madeira sobre córregos , ruas de paralelepípedos e atalhos por entre pequenos bosques (e o mistério e o medo de uma casa escondida nesse bosque, como casa de roça, com gente velha, imagens de santo, cheiro de fogão de lenha, folhas secas na frente, cantos, velas e usualmente oferendas - e o medo do desconhecido). Ou, no mais longe, andar de fusca. Fusca sem bancos (só o do motorista sobrevivia), entre cartelas e montanhas de ovos - segura eles nas curvas pra não tombarem! Os costumeiros dias de entrega: terça, quinta e sábado - anota os pedidos na listinha, prende no painel do fusca, cartelas, saquinhos e todos aqueles ovos. E todo aquele cheiro - cartelas de papelão, ovos.
Imagino como é, então, na infância andar de metrô. Desde cedo: muita gente; desde cedo: tome cuidado; desde cedo: não converse com estranhos; desde cedo contando estações, aprendendo seus nomes, aprendendo a ter medo, a desconfiar, a segurar a bolsa bem perto do corpo (a gente desce na próxima, né?).
Eu sou ainda criança - conto estações, olho lugares, reparo pessoas, imagino histórias.
Uma criança - com mais tamanho e só um pouquinho mais de malícia. A adultescência ainda não me pegou por completo - ao menos não nesse aspecto.
E espero mesmo que nunca pegue. Ver o mundo com os óculos roubados da infância é muito mais interessante.

domingo, 1 de junho de 2008

fim de domingo.

A História de Lily Braun - letra por Chico Buarque

Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos de comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose e até sorri feliz
E voltou, me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito um gema me desmelingüindo toda ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale do decote, disparei com as faces rubras e febris
E voltou no derradeiro show com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz
___________________________________________________________________

sexta-feira, 30 de maio de 2008

divagando - sentimentos esfiapados

É assim que acontece a maioria das vezes: as pessoas não percebem que machucam umas as outras. Elas não imaginam o sofrimento que pode estar escondido por trás de um sorriso-piloto-automático, sofrimento que elas próprias causaram.
Seremos realmente sistemas isolados? Meus olhos não comunicam ao outro meus sentimentos? Acho que a maioria de nós simplesmente não compreende os sinais... eles são tão sutis.
É preciso sensibilidade para enxergar além da casca – para ver além da superfície dos sorrisos, risadas, piadas, pilotos-automáticos.
A maioria de nós é em parte autista – só está pronta para tocar a casca da vida, das pessoas, dos sentimentos. A outra parte – líquida, intensa, implícita, extralinguística, sentimentos – essa maioria não consegue encarar nos olhos.
Nem tudo se fala – não é possível espremer a alma de uma pessoa em palavras como se espreme o suco de um limão.
Pensamentos são fiapos de fumaça. Sentimentos também, somente fiapos soltos, subindo e se perdendo na noite doce. E eu não posso fechá-los todos em minhas mãos, transformá-los todos em palavras. Dizer “triste” ou “amor”, é infinitamente mais impessoal do que observar esses sentimentos, extralinguisticamente, subirem em fiapos esbranquiçados no meio da escuridão, exalando toda sua essência: cheiro cinza-azulado de tristeza, cheiro vermelho-rosado de amor.

Eu quero sentir o sabor daquilo que se esconde por trás das coisas intocadas.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sou-me

Clarice me entende. Ou eu desentendo-me como ela desentede a si-it-mesma.

"Eu sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre a corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço. (...) Para onde vou? e a resposta é: vou."
(Clarice Lispector - Água Viva)

No dia em que eu escrever como essa mulher todas minhas águas borbulharão e meu it correrá - um grande, belo, castanho cavalo - por campos livres, destruindo com suas patas tudo que é friamente cimento.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Pirata da Poeira

Uma caixa de Dom Perignon.
Uma caixa velha, desmantelada e empoeirada de Dom Perignon.
Ah, mais! Bem mais!
Um baú do tesouro de papelão.
(e eu pirata desbravadora das estantes esquecidas)
Um sarcófago perdido nos milhões de segundos de uma década,
com pistas de mistérios intímos.
Quebra-cabeça particular de emoções,
mosaico de pedaços de vida.
Caligrafias que se mesclam e a doce dúvida
do seu próprio envolvimento esquecido na história.
Materialização - provas pessoais de histórias contadas.
Revelação - as pistas soltas por milagre se encaixam
(tudo tudo leva ao momento certo de abrí-las, desde as noites sem sono aos programas de TV).
Revelação - e o sorriso custa em deixar o rosto.
Revelação - e os sonhos distantes estiveram sempre muito mais próximos do que poderíamos algum dia sonhar.
Revelação - e a conclusão de que não estou mesmo fadada à normalidade.
Lágrimas emocionadas,
e com reverência quase religiosa recoloco Meu Baú do Tesouro em sua morada.
(e os sonhos estão perto, tão perto, tão perto)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

bolinhas.

íntimo - Marcia Maia

sentes?
esse arrepio que disfarço
essa chuva que dentre as pernas
se me brota
umedecendo-me secretamente
esse descompasso bater do meu
coração urdino
jam sessions de desejo
dentro em mim
enquanto olhar sereno riso
nos lábios
todas as tuas histórias escuto
sem que te apresse
sem que me apresse

sentes?

sábado, 17 de maio de 2008

Delirantes pesadelos

Eu havia morrido - não me recordo o motivo - e pessoas queridas estavam em meu funeral. Porém, minha alma estava lá entre eles, e ela tinha existência material. Eu podia ainda conversar, ver, tocar as pessoas, sentí-las e ser sentida, apesar de estar invisível. O primeiro a perceber - e acreditar - em minha presença lá foi o Zé. Ele me ajudou a fazer com que a Dani e o Glauber percebesem também minha presença. Para convencer esse último, acariciei seu rosto, abracei-o, sussurrei em seu ouvido (tutu!) e dei uma mordidinha em sua bochecha. Convenci-o.
Mas o corpo em vida era como uma fôrma de gelo e a alma sozinha era como gelo desenformado: com o tempo derrete, escorre, deixa de existir. Eu já estava derretendo, não conseguia me firmar em pé. Meus três queridos iam me levar para longe do funeral de meu corpo, para que eu pudesse derreter em algum lugar calmo e belo. Abraçando o Zezito para me manter em pé (minha altura já diminuída, semi-derretida, eu apoiava o rosto no meio de sua barriga) queixei-me entre lágrimas de que o Glauber, em sua dor, estava evitando-me nessa versão mole, dissolvente. Bobeira, dizia-me ele. Restava-me já pouco tempo.
Entramos num fusquinha - o Zé dirigindo, a Dan ao seu lado, o Glauber atrás, e eu, já sem poder me sustentar, deitei com a cabeça em suas pernas. Com a força que me restava apertei sua perna e voltei meu rosto para o dele. Ele me fitava diretamente nos olhos - não tenho certeza se podia me ver ou se só sentia minha presença amolecida em seu colo. Partimos em silêncio. Meus queridos me levavam para algum lugar onde houvesse céu azul, grama, montanhas e árvores. Meu amor acariciava lentamente minha cabeça, mas suas carícias afundavam em minha substância já quase líquida. Tentei dizer a ele que continuasse a vida uma vez que eu tivesse ido, mas a cada segundo eu perdia mais percepção do meu corpo, anestesiada, já não podia falar. Sons e imagens misturavam-se. Derreti no banco do fusca.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

E apesar de tudo que escrevo (como poderia ser de outro jeito?) eu sou feliz.

terça-feira, 13 de maio de 2008

eu levo a Lua nas mãos

domingo, 11 de maio de 2008

saudade.


A luz acabou, e como não restasse mais nada a fazer no silêncio da casa, aproveitei o resto de bateria do meu computador para assistir à gravação do espetáculo O Estado das Coisas no Limite do Silêncio; a segunda apresentação desse espetáculo, e a última da qual participei.
Não tenho certeza se era emoção ou se era o frio, mas enquanto assistia, em vários momentos comecei a tremer compulsoriamente. O peso enorme das cenas e palavras se abateu sobre mim, um peso que não percebia em toda sua magnitude lá de trás das coxias, no corre-corre dos bastidores. Tive a visão de um espectador, e percebi o quanto o espetáculo é cruel, o quanto fere, pesa.
Também, em outros momentos, cheguei a chorar, mas então não tão somente pelo peso do espetáculo e suas cenas, mas por saudade. Saudade daquela vivência, daquelas pessoas, daquele momento em minha vida que, mesmo às vésperas dos vestibulares, eu dedicava toda minha alma àquele espetáculo e ao teatro. Sim, aquilo me absorvia por completo. E aliado a isso, também, aquele momento de convivência tão intensa e de pessoas queridas.... aquela amizade forte construída quase diariamente em momentos bons... e também um amor que começava, os carinhos que iam evoluindo, pouco a pouco , intimidade que passou das aulas, dos ensaios, do palco, pra vida.
Ah, mas que saudade das pessoas, saudades dos bastidores, da arrumação, de carregar quilos e quilos de cenário e figurino (quanto figurino!), arrumar todos os mínimos inúmeros detalhes, (quantas correntes pra desenrolar!) saber de tudo que ocorria, e de tantas brincadeiras, diversão de estar junto,e ter naquilo uma felicidade imensa, imensa...
Emoção imensurável, de uma vivência imensurável, saudade imensurável de tudo aquilo.
E a vontade de voltar àquele espetáculo, e a vontade de com a mão puxar da tela cada um que ia aparecendo e abraçar. Vontade de viver tudo aquilo de novo. Aquele é o meu lugar, no palco, nos bastidores, nas coxias.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Tarde


Mas ficou um pedacinho de todo aquele verde dentro da minha mochila.

sábado, 12 de abril de 2008

Essa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi.

Olha, e diz o que vês
das linhas do meu rosto.
Será que elas denunciam
os amores que tive, os sorrisos
que dei, as dores que sofri?
Olha, e diz o que vês
do movimento de minhas mãos.
Será que ele denuncia
a minha inquietação, os devaneios
do meu mundo, os meus traços no papel?
Olha, e diz o que vês
da pedra de meus olhos.
Será que ela diz do meu passado,
do meu agora, do meu querer?
Nota-me assim, porque do mesmo jeito
procuro em tuas linhas os teus antepassads,
e no tremer do canto de teus lábios teus sentimentos,
e no fundo do poço de teus olhos teus desejos,
e nas dobras de tuas roupas teu modo de ser.

Nota, e então deixemos o final aberto para a imaginação.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

hóspede não bem-vinda

Tudo parece bem, mas ela vem.
Com o rosto encoberto por um véu,
difarçando-se na multidão.
Seus passos que não se ouvem
se aproximam. Não noto.
Como espírito,
espreita atrás de meu ombro.
Sua respiração quente passa por minha
nuca.
Perigosamente perto.
Sua mão branca acaricia meu rosto.
As saias finas de seu vestido, ao vento,
envolvem meu corpo.
Não sinto.
Quando dou por mim, ela já se sentou confortavelmete
no meu coração.
Manhosa como um gato é
essa tal de solidão.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Escrever também exorciza demônios.
coragem pra decidir
calma pra digitar.
o suspiro aliviado daquilo que precisava de um novo lar além de um coração enfaixado
(mesmo que um lar feito por códigos binários)

domingo, 9 de março de 2008

...

OK, não costumo participar de correntes na internet, mas essa de blogs é algo mais interessante e eu fui muito educadamente convidada a participar desta brincadeira pela moça do Sentimentalidades Todas ( http://sentimentalidades--todas.blogspot.com/ ). E devo dizer que lhe devia uma já que afanei de seu blog a imagem que uso aqui... e que era tudo pelo que procurava pra uma imagem.
(atualizando algumas coisinhas...)

Então, ao desfio de me revelar (isso é realmente um grande desafio pra mim no sentido mais amplo da palavra!)

Se eu fosse um mês seria... Agosto. Porque é mês de Semana Euclidiana, e só isso já bastaria; mas pra complementar ainda tem um certo friozinho, ventos fortes e muitas folhas caídas pelas calçadas da cidade... ótimas pra se pisar. Ótimo mês para sonhar.

Se eu fosse um dia seria... Sábado- dia de teatro

Se eu fosse um número seria.... 33 (tem gente que entende...)

Se eu fosse um móvel seria.... um puff- porque descobri recentemente que eles são maravilhosos pra se espalhar

Se eu fosse um líquido seria.... Tequila! (hmmmmmm....)

Se eu fosse um pecado seria.... Preguiça (repetindo uma resposta já dada por outra pessoa: que venha o ócio criativo)

Se eu fosse uma pedra seria.... uma pedrinha redonda de beira de rio

Se eu fosse um metal seria... Prata

Se eu fosse uma árvore seria... uma jaboticabeira, das que subia na casa da minha vó pra comer jaboticaba, ou uma mangueira, nas quais a gente amarra balanços de pneu. Ou ainda (eu poderia realmente ser muitas árvores) um ipê amarelo, enorme e imponete, que se erguia sozinho num gramado, perto de um tronco "da coruja" e atrás de uma pequena mata. Fundo de muitas fotos e muitos pique-niques, em Tapiratiba. Infelizmente (e eu chorei quando vi) essa árvore foi queimada. E também um ipê por alguns motivos a mais: Ipê é também a representação de amor.

Se eu fosse uma fruta seria.... uma Amora! (por causa de uma certa quitandinha feita numa semana euclidiana...saudades do abacaxi, da cereja e da(o) banana)

Se eu fosse uma flor seria... uma margarida.... dessas que nascem em jardins que crescem sozinhos

Se eu fose um clima seria... friozinho de inverno brasileiro

Se eu fosse um instrumento musical seria... Piano. Porque toca as músicas que me embalam.

Se eu fosse um elemento seria.... ar. (porque invejo sua leveza, porque sonho em flutuar)

Se eu fosse uma cor seria.... Roxo. simplesmente

Se eu fosse um animal seria... já sou um animal! Homo sapiens sapiens

Se eu fosse um som seria.... o som daqueles "sinos" (tubos cilíndricos que se põe no vento para se chocarem e fazer barulho e que eu não sei o nome ao certo- só que daqueles feitos de bambu)

Se eu fosse uma letra de música seria... (difícil!) Tempo Perdido- Legião Urbana, é.... acho que poderia ser

Se eu fosse uma canção seria... bom, seria mais uma melodia, de Yann Tiersen para Amélie Poulain

Se eu fosse um estilo de música seria... Rock, (dentro dele todos os tipo) porque é variado: vai desde momentos românticos, filosóficos, pensadores, até momentos de raiva, revolta, etc...

Se eu fosse um perfume seria.... Amor Amor . porque tem cheiro de frutas. doce, alegre e envolvente

Se eu fosse um sentimento seria.... um mix de felicidade e melancolia

Se eu fosse um livro seria.... Água-Viva, de Clarice Lispector. Porque parece que ela leu meu interior e depois escreveu o livro.

Se eu fosse uma comida seria.... não sei... todas! (exceto escarola refogada e jiló)

Se eu fosse um lugar (cidade) seria... Monte Verde. Não conheço, nunca fui lá, mas quando era criança vi uma matéria numa revista sobre essa cidade, na divisa entre SP e RJ, numa serra, de colonização alemã, pequenininha, cheia de morros cheios de verde, com chalés típicos onde se faz Struddel e artesanato, e com trilhas e cachoeiras. (talvez a utopia e idealização sejam melhores que a realidade)

Se eu fosse um gosto seria... agridoce. (nunca os extremos, sempre os ambíguos)

Se eu fosse um cheiro seria.... o cheiro de um envelope, que mistura uma carta queimada nas pontas, um papel de seda vermelho, uma borboleta seca e uma imensa saudade. Mas também o cheiro de folhas secas.

Se eu fosse uma palavra seria.... Busca

Se eu fosse um verbo seria... Sentir

Se eu fosse um objeto seria.... uma vitrola - sim, daquelas que toca bolachões de vinil

Se eu fosse uma roupa seria... um vestido, preto, curto, larguinho, já meio surrado e com algumas bolinhas brancas... exatamente como o que está no cabide dentro do meu guada-roupa

Se eu fosse uma parte do corpo seria.... um pé, bem apertado, dentro de uma sapatilha de ponta.... que depois andaria descalço na terra

Se eu fosse uma exprssão seria.... Gestos

Se eu fosse um desenho seria.... a Mafalda!

Se eu fosse um filme seria.... O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Se eu fosse uma forma seria.... um Attitude (para os que não conhecem ballet, ou não sabem qual é a forma de um attitude:
http://www.fotolog.com/aniushkita/39732940 )

Se eu fosse uma estação seria.... Outono

Se eu fosse uma frase seria... "Escrevo por profundamente querer falar, embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio." (Clarice Lispector em Água Viva)





.... e agora como me foi passado, passo o desafio às pessoas seguintes:

ao Eduardo, amigo blogueiro de tempos, do http://dudapih2.blogspot.com/

à Bruna, menina-Kiwi, do http://restos-e-sobras.blogspot.com/

à Dani, minha irmã-gêmea, se ela ainda tiver tempo pra mexer no seu blog: http://mypurpleumbrella.blogspot.com/

ao Glauber, Tutu mais tutu do mundo, do http://oseriopalhaco.blig.ig.com.br/


à Maria Fernanda, que anda se tornando comentadora aqui, do http://bonequinhadeseda.blogspot.com/

ao Sonega, querido amigo sumido, do
http://ourfuckingmechanicalworld.blogspot.com/

sexta-feira, 7 de março de 2008

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Transcrição


palavras soltas num guardanapo
pelo puro prazer de escrever.
uma porta entreaberta, lembranças
divertidas (talvez indecentes...)
saudades de abraços, de pele, de
beijos, de risos compartilhados.
qualquer papel pode ser meu confidente
fiel. até mesmo um guardanapo.
echapés e uma sapatilha estudante.
felicidade pessoal e intransferível; realização
amor...? vários tipos dele.
desejo...? é, pode ser.
carência...? talvez


piano
sonho . . . em transe
retrato: amiga de canetas, papel,
palavras, cafés, nomes estranhos
em francês.
constantemente visitada por
sorrisos e lágrimas.
A conta por favor.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

É dia de feira

O Sol é quente; verão de país tropical. O calor inunda a rua tomada em que circula uma pequena multidão. A não ser que você não suporte calor humano (muito mesmo) uma pequena calamidade e barulheira, irá gostar. Pra mim é uma diversão!
As barraquinhas se espremem lado a lado, lonas listradinhas coloridas servem de cobertura. Bacias de plástico são cheias dos mais diversos produtos... e passando-se entre duas barracas de frutas o cheiro doce de pêssegos, mangas, laranjas e muitas mais invade-me as narinas e entorpece levemente os sentidos.
-Olha, a laranja tá acabando, tá acabando o preço abaixou de novo! Aproveita, dona!
-Moça bonita, pode chegar, pode chegar que a fruta tá doce, o abacaxi tá um mel, abacaxi de um real! Abacaxi de um real!
-Olha o mamão, só um real a bacia!

"Acerooola, acerooooola. Acerola cura resfriado, gripe, é bom pra suco, todo mundo gosta. Olha a acerooooooola." Assim apregoava uma negra de longas tranças com a voz divertida e estridente... feito uma vitrola que toca só uma música.
-Pô, pára de falar, aí! A feira já tá acabando! (os feirantes ao redor comentando. aos gritos, claro)
-Cala a boca, tu é chata, aí!
-Pô essa mulher é muito chata, aí!
-Paro não! O povo é gosta que eu falo. Aí, minhas acerola já tão acabando! Acerooooooooola! Aceroooola! Cura resfriado e tá acabando!
-Pô, quanto custa tuas acerola, aí? eu compro tudo só pra tu calar a boca!

Passa-se sorrindo.

Nas bancas que vendem ervas, chás, folhas diversas, é delicioso o cheiro de verde. Lembra a casa da avó e seus infinitos chás. Na Barraca de grãos, é quase irresistível enfiar a mão nos sacos, sentindo a massagem suave que cada diferente grão faz na pele. À la Amélie Poulain.

Evite as bancas de carnes e peixes.... nada é perfeito.

Ah, parada obrigatória é na barraca de pastel. Pastelaria de chinês nenhum bate o pastel de feira, de preferência acompanhado de um belo copo de caldo de cana! Gosto de infância, de pedir óstia não consagrada pro padre depois da missa, de feira de domingo, pastel de queijo e mãos dadas com a mãe.

Feira é povo, não o que se vê na novela ou na TV, é povo de verdade. Feira tem vida, tem cor, tem voz e tem cheiro. Tem graça e desgraça, daqueles que a percorrem, olhos no chão, à procura dos restos para levar pra casa.
Feira é diversão!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Borboletas Verdes

Um ruído de repente me tira a atenção. Uma cortina voando à brisa noturna faz o pensamento voar.
Uma triste retrospectiva que se lê faz os bons momentos parecerem ainda mais doces.
Sorri, menina. Sorri e canta. Não tem mais por que chorar.
Aprende, menina. Aprende também a divagar, sonhar e poetar na cidade grande. Barulho de trânsito também pode ser melodia. Não deixa a dureza do concreto te invadir também, menina.
Repara! Ali do lado da pixação no prédio pousou uma borboleta!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Maravilhas do Mundo

O discurso final de O Grande Ditador, filme escrito dirigido e atuado por Chaplin, lançado em 15 de outubro de 1940 (se pensarmos continua extremamente atual, só imagine colocar a palavra internet onde se lê rádio!) :


Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos - se possível -, judeus, gentios... negros... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós.Neste mesmo instante a minha voz chega a milhos de pessoas pelo mundo afora...milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura os seres humanos e encarcera os inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!” A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam a vossa vida... que ditam os vossos atos, as vossas idéias os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como a um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquinas! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão!Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou de um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós o povo tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia -, usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê fruto à mocidade e segurança á velhice.
È pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e á prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzem à ventura em todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês Hannah?! O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz a esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!