domingo, 29 de junho de 2008

Nota. Vidas ressecadas, sonhos tão universais. Percebe bem a beleza duma canção de lavadeira.


O Cordel Estradeiro
(Letra e música: Lirinha)

A bença Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão

Meu moxotó coroado
De xiquexique e facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada

É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão

É inverno e é verão

É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão

Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola

Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
tanto corta como espana.
Sendo de baixo pra cima
voa do cabo e se dana.

domingo, 22 de junho de 2008

Desabafo. confuso, pode ser...

Já perdi as contas de quantas pessoas me disseram o quanto eu sou madura. Elas semprem dizem isso, em tom de elogio. E eu sempre aceitei também, feliz, em tom de elogio. Só que não é.
Na verdade é triste.
Olha só. Olha bem. Eu tenho só 17 anos e espinhas na cara. Eu devia ser só uma menina.
Não que eu não goste da maneira como sou agora. Gosto. Mas essa maturidade não foi por um caminho natural. Foi acelerada. Acelerada por coisas pelas quais uma menina não devia passar.
Porque é cruel. É cruel fazer alguém se tornar adulto de uma maneira mais rápida. Cruel porque é doloroso. É um caminho muito doloroso de se atravessar.
E também, quando se adianta um relógio, algo se perde. Pedaços de uma vida cronológica comum. Não pedaços que eu queira agora viver. Não combinam mais comigo. Mas é um sentimento estranho, talvez de falta, ouvir alguém contando de uma época, de um pensamento que tinham, de uma vivência que passou, e era boa. E você pensa... eu não tive uma igual. Nem parecida.

Pode soar confuso tudo isso, mas desabafos são assim mesmo. Confusos.
Eu sei que não sou a única forçada a amadurecer rápido, existem tantos mais por aí. Mas não devia ser assim.
Meninas deviam ser só meninas.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Lá no alto

as nuvens passam
formando e desformando figuras.
Bom mesmo é
ter com quem observá-las,
e depois guardar aqueles momentos
numa bolha de sabão.

domingo, 8 de junho de 2008

Óculos Roubados

Crianças gostam de observar. Elas reparam nas pessoas, nos detalhes, em cada pequena coisa, e põem-se a imaginar em cima delas. Eu acho que sou ainda criança: sento-me no metrô e observo rostos, roupas, expressões, sapatos para lá e para cá.
Minha infância foi de andar a pé, por estradas de terra, pontes banguelas de madeira sobre córregos , ruas de paralelepípedos e atalhos por entre pequenos bosques (e o mistério e o medo de uma casa escondida nesse bosque, como casa de roça, com gente velha, imagens de santo, cheiro de fogão de lenha, folhas secas na frente, cantos, velas e usualmente oferendas - e o medo do desconhecido). Ou, no mais longe, andar de fusca. Fusca sem bancos (só o do motorista sobrevivia), entre cartelas e montanhas de ovos - segura eles nas curvas pra não tombarem! Os costumeiros dias de entrega: terça, quinta e sábado - anota os pedidos na listinha, prende no painel do fusca, cartelas, saquinhos e todos aqueles ovos. E todo aquele cheiro - cartelas de papelão, ovos.
Imagino como é, então, na infância andar de metrô. Desde cedo: muita gente; desde cedo: tome cuidado; desde cedo: não converse com estranhos; desde cedo contando estações, aprendendo seus nomes, aprendendo a ter medo, a desconfiar, a segurar a bolsa bem perto do corpo (a gente desce na próxima, né?).
Eu sou ainda criança - conto estações, olho lugares, reparo pessoas, imagino histórias.
Uma criança - com mais tamanho e só um pouquinho mais de malícia. A adultescência ainda não me pegou por completo - ao menos não nesse aspecto.
E espero mesmo que nunca pegue. Ver o mundo com os óculos roubados da infância é muito mais interessante.

domingo, 1 de junho de 2008

fim de domingo.

A História de Lily Braun - letra por Chico Buarque

Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos de comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose e até sorri feliz
E voltou, me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito um gema me desmelingüindo toda ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale do decote, disparei com as faces rubras e febris
E voltou no derradeiro show com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz
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