domingo, 14 de dezembro de 2008

Faxina

Triste, varro a casa. Para longe com todo esse pó. Triste a varro (pela última vez?). Para longe, com sorte, as lembranças também. Varro todo esse chão, os azulejos brancos que escolhemos em viagens e visitas às cerâmicas. Com a vassoura tiro grandes teias de aranha que tomaram conta da varanda. Varanda, aquela varanda que imaginávamos com redes, cadeiras e tardes de leituras. Passo pano pela sala. As suas paredes, nós mesmas as pintamos, com a ajuda dos amigos num dia que acabou tarde da noite, com cansaço, suor, conversas, risadas.

Me largo um pouco a observar o quintal sujo, mal-cuidado: terra batida somente, mato seco, telhas amontoadas a um canto. A grama lisinha que esperávamos nunca chegou. Nem a unha-de-gato para o muro. A pequena horta de temperos e chás também não. As treliças com parreiras e flores de maracujá... Aquela muda de primavera não vingou para plantar ladeando o portão. Nem mesmo o balanço de pneu embaixo da velha árvore. Tampouco a tal da casa na árvore que ele semi-planejara. Para tudo faltou tempo, faltou dinheiro... (mais dinheiro do que tempo se me permitem comentar).

Só no pequeno canteiro temos flores. Eu, a terra, a enxada, as mudas, uma tarde, as plantei. As rosas crescem, já quase metro e meio, vermelhas e brancas, cheias de botões. As margaridas florescem de gordas touceuiras. As lágrimas de cristo dão flor em cachos e certamente crescerão em volta da pilastra, como desejávamos. Só não estaremos mais aqui para ver. Só as azaléias é que continuaram tímidas e miudinhas (lá perto do chão só uma florzinha cor-de-rosa).

Pano com álcool para limpar a pequena pia: branca, de mármore, nosso pequeno orgulho (pois enchíamos assim o peito e dizíamos uma à outra, entre risadas: "Que chique nossa casa! Temos até uma pia de mármore no banheiro!" ). Força nos braços, pano e uma cadeira para tirar todas essa manchas dos vidros. Aqueles mesmos, tão sonhados, ( "Que vista linda!" ), que a duras penas foram quitados. Facas, alho, panela, arroz, feijão. Faço almoço para duas. Lembro tristemente que a minha comida (da qual todos sempre gostam) ele rejeitava sem nem sequer experimentar.

As mãos ficaram vermelhas, um pouco doloridas, duras, da vassoura, do rodo, dos baldes. Dolorido também meu peito, um pouco mais duro, com sorte, também.
A casa cheira a eucalipto. A cozinha a fins de almoço. Meu corpo a banho.
Fecho as malas. Vou-me embora. Vou para longe desses sonhos tristes e moribundos, para que morram logo, por inanição. Vou ficar algum tempo sem sonhos, algum tempo só presente, pés bem firmes no chão.

Essa casa vai ficar fechada, navamente suja e empoeirada. Mas vai ganhar bem no meio da fachada uma placa grande, destacada:

"Vende-se"

Uma outra casa, meio mal-assombrada (minha irmã-de-alma lá de Vitória é que entende desse tipo de casas) vou guardar numa gaveta lacrada. Portas trancadas, janelas pregadas. Triste relicário. Arruinada. Conservando aquele característico odor de sal, limão, pão-de-mel e cerveja.

Meu coração, terreno baldio, inapropriado para habitação. Só uma plaquinha. Talvez. No cantinho. Recatada. Pequena. Há muito não utilizada. Esquecida. Enferrujada. Onde mal e mal se lê a mensagem, semi-apagada:

"Aluga-se. Tratar com proprietária."