quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Estender a mão

Você tem idéia do que é ter fome, pedir ajuda, e não ser atendido? Eu, como todos vocês que leem esse blog (acredito eu) não tinha idéia do que era isso. Não tinha idéia até passar por essa situação, no caos aéreo argentino, em julho passado.
Estávamos presos num galpão há cerca de cinco horas, sem água ou comida, sem poder sair e sem previsão de embarque. Num dado momento chegaram galões de água e tabletes de chocolate (a versão hermana das barrinhas de cereais distribuídas no nosso caos aéreo) para tentar acalmar as centenas de pessoas. Eu estava há umas oito horas sem comer e corri para tentar pegar um chocolate. Por bastante tempo fiquei com a mão estendida, entre tantas outras mãos, tentando conseguir algo, e já via com desânimo que os tabletes iam acabando e que minha mão, entre todas as outras, era sempre recusada.
Desânimo, tontura, tristeza, revolta muda e infeliz de um estômago vazio e de uma pessoa ignorada. Foi isso tudo que senti na hora - e foi uma das piores e mais humilhantes sensações pela qual já passei - se não a pior. Por fim, um bom senhor percebeu que eu estava à beira das lágrimas e prestes a desmaiar (e estava mesmo, juro!) e insistiu com o argentino dos chocolates para que me desse um tablete.
Depois que acalmei meu rombo no estômago, minha revolta muda, minhas lágrimas de nervoso e alívio, comecei a pensar naqueles que dia a dia passam fome, que dia a dia passam por essa mesma situação de pedir e não ser atendido, que provam todo o tempo dessa humilhação, tontura, desânimo, revolta muda e infeliz. Fiz então uma promessa: nunca mais recusar ajuda a quem me estendesse a mão, pedindo. Não vou ser hipócrita e dizer que desde então ajudei a todos aqueles que me pediram alguma coisa (ou eu já teria falido também, afinal de contas) mas na medida do possível e no alcance do meus trocados, o fiz.

Agora vieram as inscrições do Redigir. É na verdade uma alegria fazer os plantões. Em um deles uma inscrita conversou comigo por alguns minutos - e neles me contou boa parte de sua vida, e me fez perceber o quanto faz diferença para alguns, para ela, uma simples, pequena oportunidade. Para alguns, essa simples oportunidade de um curso pode ter uma importância bem maior do que talvez possamos imaginar. Porque não é apenas um curso - mas também atenção que é dada, para pessoas que em geral passam invisíveis para grande parte da "sociedade", das classes A e B, dos "intelectuais" ...
Algumas pessoas dizem que fazemos um sacrifício adimirável, tocando pra frente o Redigir. "Esses meninos aí valem ouro!"
Não, não sou de ouro nem faço um sacrifício. Faço com alegria. Mais do que sentir estar fazendo o que é certo, me sinto feliz. Feliz por ver as pessoas felizes, esperançosas com uma oportunidade que lhes é dada. Feliz, porque assim como é melhor dar presente do que receber, mais bem nos faz ajudar do que ser ajudado. Presente, por fim, quem ganha sou eu.
Será que era só um sonho? Só um lindo sonho de pontas?
Será que simplesmente acabou, passou, e sobrará, depois só a admiração?

Que verdade se esconde naquele grande envelope lacrado?

Espero, sem pressa. Mas com muita, muita pressa.

Espero só... e que mais posso fazer se não esperar?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Casa.

Era um fim de tarde, e entre o caos da mudança, sozinha no apartamento, parei para ver o sol se pôr. Pois é tão linda a vista da minha janela. Aqui, bem aqui, bem embaixo do meu nariz, esse grande verde, grandes árvores, algumas recobertas de flores roxas. Ali, (uma ali ainda perto), a marginal, onde além dos incessantes carros, pode-se ver passar devagar o trem, em tamanho de apenas trenzinho de brinquedo, vivamente vermelho e azul. Ali, depois, os prédios. São de todos os jeitos: os bem altos, espelhados; os brancos, avarandados; os baixos, só janelas, mais humildes; os puros cinza-concreto, sérios, públicos, entremeados de casinhas também. Diversas antenas, um flash a piscar, as luzes da cidade começam a se acender.
E, além... ora, se não é incrível! Os prédios e casas não continuam até o além. Não se perdem da vista, no infinito, na cidade sem fim. Eles cessam ali, e o que há além são morros, verdes morros que aparecem em pesadas massas negras. É esta longa e ondulante serra meu aconchego: ter a impressão, falsa, eu sei, mas tão vívida, de que a cidade se acaba ali, nos morros, onde a vista pode facilmente alcançar, e reconhecer aqui e ali a moradia de um amigo, a faculdade... (Tão semelhante a uma outra vista que tinha da janela de uma cozinha... São José se desdobrando, subidas e descidas, aqui a casa da vó, ali a igreja matriz, lá a escola, depois o clube... e acabando ali, além, nos ondulantes morros de verdes mil.)
Oh! E o infinito além aqui está acima dos morros, depois do Pico do Jaraguá, acima disso tudo, quem diria! O céu! Em toda sua contínua imensidão, e não recortado por fios e prédios. Azul. Nuvens brancas se espalham, inebriantes, entre reflexos cor-de-rosa e o pôr-do-sol alaranjado à esquerda. A lua, minguante e fininha, semi-transparente, já dá as caras ali em cima. Agora espero, esperançosa. Quem sabe mais tarde seja possível até ver (raridade das raridades) estrelas!
Sinto-me sortuda, feliz, aconchegada. Em casa. Minha casa.
Minha primeira própria casa.

Ah! Sou sim, muito sortuda! Duvido que alguém tenha uma vista de São Paulo tão bucólica quanto esta da minha janela!

ps.: Depois as estrelas apareceram sim (meio tímidas, concordo, mas apareceram). E lá longe, subindo o morro, uma porção de luzinhas tremulejavam, lusco-fuscamente (depois eu me preocupo com o fato de serem, na verdade, as luzes de uma favela, mas deixa no momento eu me encantar ao pensar em como elas parecem chamas de uma porção de velinhas tremendo ao longe). E o amanhecer é quase tão bonito quanto o pôr-do-sol. Quem sabe um dia eu chegue a tempo de ver uma aurora...