domingo, 18 de outubro de 2009

Da dificuldade de se escrever sobre amor

É simples escrever só sobre amor.
Poderia facilmente descrever belas cenas vividas, doces sensações, elencar uma série de pequenos detalhes, pequeninos encantos, e dizer o quê e o quanto eles significam para mim.
Acontece que tantos textos assim já escrevi, recheados de encanto, doçura e imaturidade, que seria leviano escrever agora outros mais, aproximando assim, por meio de palavras, o presente do passado.
Guardo, agora calada, toda doçura, todos detalhes, pequeninos encantos e o que significam para mim. Calo-os, guardo-os, digiro-os, amadureço-os para que depois, bem depois, quem sabe (e bem quem sabe), possa escrevê-los com a dignidade que merece esse amor.


"A dança tem de ser como um sussuro, só para dentro do casal."


O Seu Santo Nome - Carlos Drummond de Andrade
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Vereda

O calor da tarde de novembro e a sonolência da sesta embalavam-na. O ar, parado, preenchido pelos murmúrios da televisão e o zunir de uma mosca. Batia incessante, incessantemente na janela, tentando retornar à rua.

Pernas flexionadas, plantas dos pés no chão, brincava com os dedinhos na textura do tapete. O calor, tanto, que suspendeu o tecido leve do vestido acima da cintura. Algodão branco, estrelas azuis, pousou-as sobre o peito. As mãos, acomodou-as sobre a pele fresca, agora livre, da barriga, que ronronava ainda e fazia os leves movimentos da digestão.

Os pensamentos passeavam, fiapos, soltos, aéreos, quarto abafado. Passeavam pelos acontecimentos, pelas palavras da senhora advertindo-a... Então... Mocinha... Sim, sabia também de várias colegas, da escola... Ah, mas essa mosca não sairá nunca para a rua? ... As colegas falavam de meninos, houve uma vez aquela festinha... Ai, lábios? Línguas? ... Sensação estranha deve ser, só pode! ... Podia abrir a janela para a mosca sair...

Tentou mover um pouco as mãos, levantar-se em direção à janela, tentativa sem forças. Pensamentos, fiapos, uma curiosidade foi tomando-a. Curiosidade lenta, receosa, fez sua mão, dedos finos, unhas roídas, deslizar lentamente, passando pelo umbigo em direção ao baixo ventre. Sentia ali, respiração, pele, penugem dourada.

Os músculos contraíram-se. O que fazia? Não parou, entretanto, o movimento lento e contínuo, numa linha descendente por seu corpo. Chegou à margem da calcinha, infiltrou os dedos por baixo do elástico, a boca já seca. Seguiam os dedos como cladestinos, invasores de um terreno privado, lentos, quietos, curiosos.

Passaram pela aspereza dos primeiros pelos púbios, inda nascentes. Os joelhos cederam para os lados, moles. Um estremecimento leve e constante, recheado de receio, sacudia o corpo magro. Sentia a ansiedade e excitação de um desbravador, que aprende lentamente os caminhos de um terra nova, não explorada.

Os dedos tateavam agora as macias carnes, tentando compreender sua anatomia. Percebeu a área úmida. Forças opostas pareciam agir sobre seu braço. Um pouco mais, só... Cerrou os olhos, lábios entreabertos. Só...

Paralisou-se, assustada. Quão longe fora! As pernas tremiam, moles como gelatina. Coração em baque disparado, boca seca.

Lentamente, lentamente, encolheu-se. A mosca já não zunia na janela... Acomodou-se. Ninho de almofadas. Aninhou-se. Urso de pelúcia. Abraçou-o. Lenta, lenta. Adormeceu.

domingo, 4 de outubro de 2009

Porque é tempo de fazer tempo

O Analfabeto Político - Bertold Brecht

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,

nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,

do peixe, da farinha, do aluguel,
do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto Politico é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política,

nasce a prostituta, o menor abandonado,
o assaltante e o pior de todos os bandidos,

que é o político vigarista, pilantra, corrupto
e lacaio ds empresas nacionais e internacionais.


Soube que vocês nada querem aprender - Bertold Brecht

Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários
Seu futuro está garantido-à sua frente
Iluminado. Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra.
Neste caso, você nada precisa aprender.
Assim como é
Pode ficar.

Havendo ainda dificuldades, pois os tempos
Como ouvi dizer, são incertos
Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor,
Você não precisa levantar um dedo.

Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender