quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A falha da Folha de São Paulo

Maior jornal do Brasil processa blog independente e inaugura um novo tipo de censura

(texto do blog Desculpe a Nossa Falha - para ajudar na divulgação, acesse o blog. Eles têm versões do texto em inglês, espanhol, francês e italiano e pedem apoio para a divulgação internacional)

Ação inédita na Justiça está sendo boicotada pela mídia brasileira, que é dominada por poucas famílias, e abre um precedente terrível para todos os blogueiros do país
A exemplo do que aconteceu na eleição do Obama e em outros pleitos na Europa, na recente disputa presidencial brasileira, que terminou com a eleição da candidata de Lula (Dilma Roussef), a internet teve peso inédito na campanha eleitoral. A atuação de centenas de blogs foi especialmente importante porque, em sua maioria, eles apoiaram a candidata de esquerda (Dilma) e, por outro lado, praticamente toda a mídia convencional (rádio, TVs, jornais e revistas) defendeu fortemente o candidato de oposição, José Serra, que formou uma poderosa coalização política-midiática-religiosa conservadora — que acabou derrotada. A importância da Internet ficou óbvia no último dia 24 de novembro, quando Lula concedeu a primeira entrevista de um presidente brasileiro exclusiva para blogueiros. Foi um claro reconhecimento à sua importância e ao contraponto que eles fizeram à mídia tradicional.
Em meio a esse cenário, surgiu em setembro um blog chamado Falha de S.Paulo, uma paródia ao maior jornal brasileiro, a Folha de S.Paulo. Em português, “Folha” é uma das formas de referir-se a um jornal. E “Falha” significa falha. Era um blog recheado de fotomontagens, brincadeiras e críticas ácidas ao noticiário da Folha. Eram críticas sempre bem-humoradas, porém duras. Para se ter uma ideia, uma das montagens de maior sucesso (e mais irônica) punha o rosto do dono do jornal, Otavio Frias Filho, no corpo de Darth Vader. Pois bem: após um mês no ar o jornal entrou na Justiça para censurar o blog. Pior: conseguiu. Ainda pior: além de conseguir cassar o endereço, a Folha abriu um processo de 88 páginas contra os criadores do site, pedindo indenização em dinheiro por danos morais.
O jornal alega “uso indevido de marca”, por causa da semelhança entre os nomes Folha e Falha e porque o logotipo do site era inspirado no do jornal. A paródia foi criada por dois irmãos (Lino e Mário Ito Bocchini) que não têm ligação com nenhum partido político ou qualquer outra entidade. São duas pessoas “avulsas”, o primeiro jornalista e o segundo, designer. E agora os irmãos estão tendo uma dificuldade brutal (e gastando bastante dinheiro) para se defender na Justiça de uma ação volumosa do maior jornal do país. E a previsão dos advogados e professores de direito ouvidos pela dupla é a de que a Folha deve ganhar a ação, mais por ser uma companhia grande e poderosa e menos pelo mérito da questão em si.
Aqui entra o motivo pelo qual os irmãos Bocchini resolveram levar a questão para além das fronteiras do país: no Brasil, menos de 10 famílias dominam os grandes meios de comunicação. E uma dessas famílias é justamente a Frias, que ficou incomodada com a Falha de S.Paulo e suas brincadeiras como a do Darth Vader. Por corporativismo, nunca um órgão de uma família noticia algo relacionado à outra. É uma espécie de tradição brasileira. A censura de um blog, ainda mais seguida de um pedido de indenização, é uma ação judicial inédita no Brasil. Por conta disso, os irmãos Bocchini estão sendo chamados a diversos eventos de comunicação, convidados a dar palestras etc. Estão recebendo muita solidariedade de blogueiros e ativistas por liberdade de expressão de todo país, e figuras públicas como o ex-ministro Gilberto Gil gravaram depoimentos condenando a censura e o processo da Folha. Mesmo assim jornais rádios, TVs e revistas seguem ignorando completamente o assunto.
A preocupação geral é que, se o jornal ganhar essa ação inédita (como tudo indica que vá acontecer), um recado claro estará dado às demais grandes corporações brasileiras, sejam de comunicação ou não: se alguém incomodar você na Internet, invente uma desculpa como essa do “uso indevido de marca”. A Justiça irá tirar o site do ar e ainda lhe conseguir uma indenização em dinheiro. Ou seja, está nascendo um novo tipo de censura em nosso país, justamente pelas mãos de quem vive da liberdade de expressão. E não estamos conseguindo furar o bloqueio da mídia convencional, dominada pelas tais poucas famílias que já dissemos. Por isso só nos resta agora apelar para o exterior.
O novo site dos irmãos Bocchini, o
www.desculpeanossafalha.com.br tem todos os detalhes da censura. Os posts são em português, mas lá você confere esse texto em inglês, francês ou espanhol. E pode escrever em qualquer uma dessas línguas para desculpeanossafalha@gmail.com
(texto do blog Desculpe a Nossa Falha - para ajudar na divulgação, acesse o blog. Eles têm versões do texto em inglês, espanhol, francês e italiano e pedem apoio para a divulgação internacional)

sábado, 27 de novembro de 2010

Calma

É preciso calma, ócio e um pouco de solidão para se escrever.
Calma é tudo que a alma pede.
Refúgio rural.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

João de Barro

Por falta de galho,
no alto do poste
João de Barro fez seu ninho.

Na cidade é assim:
tem luz até
em casa de passarinho.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Da brincadeira à violência, do cursinho à sociedade

Reflexões de quem voltou da faculdade ao cursinho
A época do vestibular é cheia de tensões para os candidatos, e os cursos pré-vestibulares levam os alunos a uma rotina pesada deestudos. Em contraponto a toda essa tensão, grande parte dos professores destes cursos utiliza-se do humor em suas aulas, para torná-las mais leves, interessantes e tragáveis.
São importantes as iniciativas, tanto por parte dos cursinhos quanto por parte dos professores, para tornar a rotina dos estudantes mais agradável – inclusive porque o bem-estar psicológico destes influencia-os em seu desempenho intelectual e no momento das provas. O que esquece-se ou ignora-se é o teor desse humor: não raras vezes as piadas em sala de aula são preconceituosas.
“Mas são apenas brincadeiras inocentes – não se prega realmente esses valores”, pode ser a justificativa para tais ações. Mas, mais uma vez esquece-se ou ignora-se que são por conta de “inofensivas brincadeiras” que verdadeiramente perpetuam-se preconceitos na sociedade.
São por essas brincadeiras que loiras são sempre “burras”, que mulheres “não sabem dirigir” ou “só pensam em dinheiro”, que orientais“têm pinto pequeno”, que homossexuais são “bichas loucas”, que negros “são sujos”, que pobre “é uma desgraça”. E são estes esteriótipos amplamente difundidos que perpetuam preconceitos e violência contratodas essas minorias em nossa sociedade – preconceitos e violência presentes e inegáveis.
Professores, sejam eles quais forem, têm responsabilidade com tudo oque dizem em suas aulas, e devem assumi-la, pois estão em posição de formadores de opinião. Professores de grandes cursos pré-vestibulares, em se considerando que boa parte dos alunos que passam por suas cadeiras estarão depois em grandes universidades e serão os próximos formadores de opinião nas mais diversas áreas, têm responsabilidade ainda mais ampla, não só para com seus próprios alunos, mas para com toda a sociedade.
Não que seja necessário seguir à risca os parâmetros do politicamentecorreto e “chato”, como dizem; mas necessário é, para lecionar com responsabilidade, refletir sobre a quem – de dentro ou de fora da sala de aula – suas piadas e brincadeiras podem ofender, ou quais preconceitos elas podem alimentar.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Das grandes misérias de uma civiliação

Porque a cidade estafa-me e eu preciso dos meus mares de morros.


"-Tu não o sentes Zé Fernades. Vens das serras... Pois constituem o rijo incoveniente das Cidades, estes sulcos! É um perfume muito agudo e petulante que uma mulher larga ao passar, e se instala no olfato, e estraga para todo o dia o ar respirável. É um dito que se surpreende num grupo que revela um mundo de velhacaria, ou de pedantismo, ou de estupidez e que nos fica à alma, como um salpico, lembrando a imensidade da lama a atravessar: Ou então, meu filho, é uma figura intolerávelpela pretensão, ou pelo mau gosto, ou pela impertinência, ou pela relice, ou pela dureza, e de que se não pode sacudir mais a visão repulsiva... Um pavor, estes sulcos, Zé Fernandes! De resto, que diabo, são as pequeninas misérias de uma Civilização deliciosa!"
(A Cidade e as Serras - Eça de Queirós)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Nariz II - o final da saga

É maravilhoso.
Tomo impulso e sorvo uma brisa,
um vento.
Tufão.

Ah, oxigênio!

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Da hipocrisia

...ou de questões relativas ao aborto no Brasil

Clandestinas - Trabalho de Conclusão de Curso de Ana Carolina Moreno - ECA - USP

(as partes seguintes estão no youtube)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Nariz

Eu descobri que ele é bem maior do que eu imaginava. Que cabe bastante tubo e bastante algodão. Imagine, uns belos 6 centímetros pra dentro.

Descobri também que ser nocauteado no nariz é foda. A visão escurece, a pressão abaixa, você sua frio, o corpo treme e não dói, mas parece que estão tirando suas víceras de algum caminho longo dentro da sua cabeça, por detrás da boca. Mas não era víscera, era só algodão. Você tenta mover as pernas e os braços só pra se certificar de que o corpo ainda tá ali. Eles se movem, mas formigando. Leva tempo pra respiração voltar ao normal. Vida de boxeador deve ser dura.

Falta descobrir, agora, o que é respirar livremente. Espero.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um carrossel

"Estava numa pobre vila do sertão e não lhe faltava o dinheiro apenas para o transporte do seu carrossel. faltava para o miserável hotel onde se hospedara e que era o único da vila, e também para o trago de pinga, para a cerveja, que não era gelada ali, assim mesmo ele gostava. O carrossel armado no capim da praça da Matriz estava parado fazia uma semana. Nhozinho França esperava a noite de sábado para ver se fazia algum cobre para arribar para algum lugar melhor. Mas na sexta-feira Lampião entrou na vila com vinte e dois homens e então o carrossel teve muito que trabalhar. Como as crianças, os grandes cangaceiros, homens que tinham vinte e trinta mortes, acharam belo o carrossel, acharam que mirar suas luzes rodando , ouvir a música velhíssima de sua pianola e montar naqueles estropiados avalos de pau era a maior felicidade. E o carrossel de Nhozinho França salvou a pequena vila de ser saqueada, as moças de serem defloradas, os homens de serem mortos. Só mesmo os dois soldados da polícia baiana que lustravam as botas na frente do posto policial foram fuzilados pelos cangaceiros, assim mesmo antes que eles vissem o carrossel armado na praça da Matriz. Porque talvez até os soldados da polícia baiana Lampião perdoasse nessa noite de suprema felicidade para o bando de cangaceiros. Então eles foram como crianças, gazaram daquela felicidade que nunca tinham gozado na sua meninice de filhos de camponeses: montar e rodar num cavalo de madeira de um carrossel, onde havia música de uma pianola e onde as luzes eram de todas as cores: azuis, verdes, amarelas, roxas e vermelhas como o sangue que sai do corpo dos assassinados."

(Jorge Amado - Capitães da Areia)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Muitos casmurros

Li algumas vezes, assisti a mini-série Capitu outras tantas, mas uma nova leitura sempre põe luz e graça difrerentes a outro trecho, o qual se lê como novo e único.

"Estávamos ali com o céu em nós. As mãos, unindo os nervos, faziam das dua criaturas uma só, mas uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras da boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham..."
(Dom Casmurro - Machado de Assis)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Rumo

Não, não é um passo atrás.
É um salto. À frente.

É maturidade, coragem e decisão.

E sorriso.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Súplica

Ela o cavalgava, quieta. Sem prazer, para dar-lhe prazer.
Ele deleitava-se, olhos cerrados, perdido na maciez do travesseiro, perdido na maciez de suas carnes.
Ela lhe cravava olhos suplicantes, angustiados, invejosos de seu prazer.
"Olha-me! Olha-me!", diriam os olhos, se vistos.
Mas nunca assim seriam vistos. Súplica silenciosa.
"Quero compartilhar desse prazer!"
E os olhos suplicavam assim, como acreditando que, se mirados também, seriam sugados para dentro das ondas de prazer e calor que o sacudiam, enxarcavam.
Contraste. Ela branca, branquíssima, corpo seco, movimentação mecânica. Ele, pele molhada, morena, movimentando-se preguiçosamente, levado por arrepios. Perdido, maciez acima e abaixo, entre a brancura dos lencóis e a da pele dela.

A tristeza invadiu-a.
Ela chorou.
Ele, jorrou.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Do tempo

"- O que foi?
- Alguém passou por mim.
- Quem?
- O tempo."
Deparei-me com o tempo que passou, e passou tanta coisa.
Foi mudança, liberdade e cabresto, nuvens. Pontas e textos, cera quente, Ofélia. Foi o café que passei a tomar. Foram as noites viradas. Foi a música. Foi a loucura e a insensatez e a alucinação na madrugada. Foi avião e hermanos, um lago tão frio. Foi correr nua.
Foi acolhida e solidão, casa e mal-estar, angústia e embate. Foi um pé na bunda bem dado, coturnos e estrado. Foi o nada, tão nada. Foi a chuva tomada. Foi o choro na prova, foi o Franz na madrugada, foi a amiga ligada. Foi a cidade, morrida, foi a fuga, a fuga.
Foi um "vou embora", brigada, teimosia familiar. Foi caminhão e mudança, pintar paredes, e lar. Foi liberdade e foi gente, foi minha casa, tão minha. Foi um virar madrugadas, rir, conversar, amar, dormir pelo colchão da sala. Foi o som da vitrola. Foi o descobrir a ensinar, foram os sábados pela manhã. Foi a parceria, o carinho, o amor de língua amarrada. Foram bicicletas. Foi Guimarães que eu li. Passei prum café. Foi a raiva do uso, foi o distanciar. Foi uma tentativa de vingança em meio à fumaça, deixa ficar.
Foi a descoberta da luta, foi um "se levantar". Foram faixas, protestos, bombas, violência, correria e medo. Uma praça de aula transformada em praça de guerra. Foi uma noite fria.
Foi um "não quero mais", "vou me distanciar". Foi o "me deixa em paz". Mas me tiraram pra dançar. Foi trabalhar todo dia e estar atarefada. Foi ficar, de novo, apaixonada. Foi querer, de novo, mais e mais estudar. Foi um levante político, um não mais me conformar. Foram noites de sonho, de amor. Foi dançar.
Foi a distância e o avião. Um urso na bolsa e saudade. Foi uma vida sozinha, tempo pra pensar, aprender uma língua, sonhar. Foi viver com o frio e dançar.
Foi voltar.

Pudim de leite

E lá vem ele, no pratinho. É bem molinho por dentro, o fundo durinho, a calda, com gostinho de açúcar queimado.

Eu menina, adorava pudim de leite, daquele que minha mãe nunca mais fez. E manjar branco com ameixas, da casa da avó.

Aquela rampa

Subi a rampa e o sol da tarde entrou por entre as árvores. Verde, dourado. O vento passou fresco e derrubou folhas, devagar. Devagar caíam, douradas. Não seria então como a neve caindo, leve, levitando?

Desci a rampa no escuro, escutando passos, meus e dos outros, silenciosos. O vento passou frio pelo tecido de minha blusa e fez revoar as bandeiras: ti-lin-ti-lin no mastro.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Raiva, legítima raiva

Para compartilhar a leitura:

"É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, e por que não dizer também da obstinação com que falo de meu interesse por tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres, assunto de que saio e a que volto com o gosto de quem a ele se dá pela primeira vez. Daí a crítica permanente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia.
Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser um observador 'acinzentadamente' imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.
O meu ponto de vista é o dos 'condenados da Terra', o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que venho chamando de ética universal do ser humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique."
Paulo Freire - Pedagogia da Autonomia

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Refúgio?

Ele se perdeu, e posso passar dias a vagar com a mochila nas costas.
Nem o refúgio das palavras? Nem das músicas?
Não.
Os dias já correm demais para elas.

... pena. Não o suficiente para parar o relógio.




Me dê a mão, vamos correr até que o tempo pare e as distâncias desapareçam, então tudo ao redor não passará de meros borrões de tinta. Eu e você, para sempre juntos, num turbilhão de cores plácidas.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Van Gogh

La Sainte Victoire

Ergue-se extensa a pedra, longa montanha cor de mel. Atrai meus olhos por longos minutos de estrada. Ergue-se como que envolta em névoa, imaterial, e julgo ver um cenário pintado com cores claras. Julgo estar frente a um quadro de Van Gogh - a montanha é pintada em meus olhos com milhares de espirais beges e brancas, com pinceladas finas e escuras de pouco em pouco, emoldurada pelo azul cinzento e claro do céu de inverno. Sim, é isso, não se ergue à minha frente uma montanha, mas um Van Gogh, no qual posso entrar - posso também entrar nessa névoa espiralada e clara.

Céu Estrelado - Van Gogh

E ao entrar nesse cenário de névoa lembro-me de um outro cenário, o quarto do pequeno apartamento, com cheiro de cigarro e ópera a tocar, e lá estava na parede a noite estrelada em espirais de Van Gogh. E lá estavam os dois amigos sonhando, ópera, ballet clássico e literatura, deslocados na cidade pequena. E o pequeno apartamento ficava pleno de música e anseios sohados em voz alta, e doces sonhos europeus brincados com inocência. Princesa da Bélgica... E ao tardar da noite, na cozinha ela dançava, na sala ele cantava, e da janela de um via-se o outro, e à distância de um grito comemoravam juntos os fogos de artífico inesperados de uma noite, e o céu tingia-se de espirais incandecentes, tornava-se Van Gogh.

A Montanha Sainte Victoire - Cézanne

Apesar dos meus sonhos de Van Gogh, as mais conhecidas reproduções da Sainte Victoire foram feitas por Paul Cézzane - o pintor viveu na cidade de Aix-en-Provence e pintou a montanha diversas vezes. Cézzane foi um dos precursores do impressionismo, no qual suas pinceladas dão ao observador a sensação de movimento e de estar dentro da cena retratada, de entrar nos quadros, invadir a névoa. O sul da França - a região provençal e a côte d'azur - foi ainda moradia de vários pintores, como também Picasso e Renoir. Diz-se que a luminosidade encontrada nessa parte do país, inexistente mais ao norte, consistia na luz ideal para a pintura.


Noite de Outono - Van Gogh

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Meu passado fala espanhol

Assunpción e seus filhos, Carmen, Trindade, Julia, Salvador e Tonico


Ela guardava rebanhos de ovelhas em alguma montanha da Córdoba, Andaluzia. Oito anos, e seu pai perguntou-lhe:
"Assunpción, quieres ir a Brasil?"
"Si en Brasil no hay ovejas, vámonos."
Assim chegou ao Porto de Santos em 1892, em um navio ignorado, minha bisavó, Assunpción Brigida Gimenez, trazendo com ela duas pequenas relíquias de menina: uma pequena virgem de aço, Nossa Senhora de Mascareñas, bastante parecida com Nossa Senhora de Aparecida, e seu par de castanholas.

Viveu em fazendas, casou-se três vezes. Não cuidou mais de ovelhas mas passou por várias dificuldades. Felizmente, deixou a Espanha antes da guerra civil.
Nunca falou português. Vinha a minha tia, falar com a avó:
"Abuelita, estamos en Brasil, tenemos que hablar en portugues."
"Yo no hablo portugues. Hablo en español, quien lo entiende, bueno, aquellos que no lo entienden, !que se jodan!"

E assim viveu até cerca de oitenta anos, com os cinco filhos, os três maridos (porque as espanholas são calientes), sem jamais falar uma palavra em português. Eu sempre a imagino sentada em sua cadeira num terraço de fazenda, xales sobre o vestido, longos cabelos negros em trança. Ela cantava e tocava castanholas de sua cadeira para a neta querida.

E finalmente, quando vi uma foto sua, lá estava minha bisvó Assunpción sentada em sua cadeira, rodeada pelos cinco filhos, com os cabelos presos para trás numa trança. O xale colocado nas costas da cadeira.
A filha mais nova de Assunpción, Trindade Gimenez Junqueira, minha avó. Era conhecida só por Nena. Para mim, vovó Nena. Contam as histórias dos parentes que ela fora uma grande mulher, forte, trabalhadora, etc. Eu a conheci só no finzinho da vida. Sofrera vários derrames cerebrais, tinha a metade direita do corpo paralisada. Seu quarto, em casa, era como a enfermaria de um hospital, e por isso eu, menina, não gostava de ficar por lá. Quando entrava e me aproximava de sua cama, ela falava com a voz fraquinha, com dificuldade as palavras saíam: "minha netinha!". E era tudo.

Sentada na cadeira de rodas, tinha sempre um guardanapo na mão esquerda, que movia incessantemente para a frente e para trás, movimentos pequeninos e rápidos. Eu sempre me perguntava por quê ela movia assim o guardanapo. Hoje penso o quanto angustiante é não poder mover-se, e aquele sendo o único pequeno movimento possível, ela o repetiasem cessar.

Minha avó, quando jovem, dançava tango. Um dia, menina, encontrei um CD seu, de capa vermelha, Julio Iglesias. "Vovó, vou colocar uma música pra senhora." Coloquei a primeira música e ela, sem falar nada, silenciosamente chorou. Ela, que nunca parecia manifestar emoções aos meus olhos, tinha pequenos riachos descendo pelos rosto. Eu, que não gostava muito de sua silenciosa e inquietante companhia, sentei em seu colo, na cadeira de rodas, e colada a seu rosto via as lágrimas rolarem como rios. Sem palavras. Só a música. Aquela música que na época nada me dizia.

Gostaria hoje que aquela menina, eu-ontem, fosse mais adulta, que entendesse mais, que sentasse mais no colo de sua avó ao invés de evitar seu quarto. Gostaria hoje de poder dizer-lhe "vovó, agora eu também danço tango" e poder contar-lhe como um dia, inesperadamente, um menino tirou-me para dançar e contar-lhe como aprendi a dançar e como aprendi a gostar e contar-lhe como hoje eu também me emociono com as músicas que a emocionavam.
Gosatria dizer-lhe: "Vovó, mesmo sem saber segui seus passos."

Uma refeição italiana

Na Itália come-se muito. Um tio que viajou à Itália reclamava que por lá comera mal, os pratos eram sempre pequenos. Reclamava ele porque na verdade, sem saber, comeu só um terço de uma típica refeição italiana. Como explica um legítimo italiano, come-se muito porque estar na mesa, comendo e conversando com os familiares e amigos, é um ritual.

Então vamos à refeição:

1. Primeiro prato:
O primeiro prato pode ser sopa, risoto ou massa. O mais comum é realmente a massa, em uma variedade enorme, e realmente deliciosa. Aí o meu prato de bigoli (espécie de espaguete mais grosso) com camarão e tomates cereja.

2. Segundo prato:
O segundo prato é, em geral, uma carne - as mais comuns são peixe, frango, boi ou coelho! ps.: coelho é gostoso.No prato, picanha mal-passada acompanhada de espécie de patê de rúcula com queijo. E o segundo prato sempre vem acompanhado do...


3. Contorno:
Que pode ser grandes porções de salada, legumes, batata cozida ou frita... ao gosto do cliente. No prato, berinjela, abobrinha e cogumelo grelhados.


4. Sobremesa:
Doce!!! Um doce bem típico é o Tiramisu, feito com creme, chocolate e algo de café. Mas não só doce, os italianos também comem muito frutas como sobremesa, e o sorvete - gelado em italiano, é delicioso.


5. Sorbeto:
Não, não é sorvete. É uma espécie de milk-shake de limão alcoólico que se toma após as refeições, ou, em grandes refeições, entre um prato e outro. Digestivo. E para arrematar, um...


6. Café:
O café expresso italiano é ótimo e muito forte. É servido na xicrinha de café, mas ao invés desta vir cheia, vem com apenas dois dedos do líquido - porque é tão forte que se viesse cheia seria difícil de tomar. Na escala de concentração do café podemos colocar café italiano (fortíssimo) > café expresso brasileiro (fortinho) > café de coador brasileiro (mais ou menos) > café americano (chá).

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Do luxo

Como explicar um lugar ao mesmo tempo apaixonante e repulsivo? Assim me sinto no sul da França (e perdoem a falta de acentos).

A primeira impressão que tive da Europa, ainda no aeroporto, foi de um lugar em que se da muito valor ao bem estar pessoal, e nem tanto valor assim para a interação com as pessoas ao redor. Infelizmente ainda nao tive a oportunidade de conversar mais com pessoas do lugar para entender melhor isso.

Depois vem a sensação de estar em um lugar realmente avançado, civilizado. Dos fogões das casas às sacolas de supermercado, da limpeza e silêncio das ruas ao transporte publico. Tudo, porém, é carissimo, ao menos nessa região. Como pagar 4 euros por uma hora na lan house? O aluguel de um kit-net em Aix-en-Provence, cidade pequenina? 500 euros. O aluguel de um quarto de empregada, sem cozinha, por sorte com banheiro privado em Paris? 700 euros.

Depois o encanto. Lindissimas cidades, todos os prédios alinhados, não muito altos. Varandinhas e chaminés, tão cinemamente franceses. Vilas medievais de 700 anos, ruas apertadinhas, construções de pedra, escadas, varandas, flores na janela, um gato passeando pelo frio.

O sul da França parece so ter vida no verão. Agora esta tudo deserto, e dou graças a deus por isso. Pois a vida de verão é a do turismo milionario. Por isso nas cidades com tanta cara de simplezinhas, simpaticas, apertadinhas e bonitinhas, nos térreos dos prédios seguem-se lojas e mais lojas de grife. Louis Vitton, Channel, Dolce e Gabbana, Swatch, e por ai vai.

Cannes é uma vitine de luxo. No domingo de manhã, na beira da praia, segue um desfile de casacos de vison. Em Monaco vê-se visons e diamentes no ônibus. Na frente do cassino, uma fila de Ferraris e Mercedes. Ao olhar o mar, a vista é sempre ofucada por uma profusão de iates.

E ha turismo apenas para ver todo esse luxo. No verao, St. Tropez, cidadezinha de 5 mil habitantes, recebe 100 mil visitantes por dia, e a maioria desses vem lotar as ruas apenas para avistar ao longe os iates e casas dos milionarios. Estes, de seus iates, apelidam seus admiradores de "chupadores de sorvete", pois enquanto eles curtem o mar de seus barcos, os outros, a admira-los, so contam com os sorvetes para aplacar o calor de 35°.

Pronto, falei. Todo esse luxo me é repulsivo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Butoh, em toda sua doçura

Havia lido em uma resenha qualquer que Hanami - Cerejeiras em Flor, filme que participou da 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, era quase melodramático. Que o filme atentava-se a detalhes já não apreciados, e até mesmo ridicularizados pela nossa sociedade moderna. Algumas pessoas no cinema chegavam a rir das "ingenuidades" do filme, mas perdoem-me, infelizes autor da resenha e pessoas que riram e desdenharam, que sou então ingênua e sentimental. Perdoa-me que a mim valem muito os detalhes, os sonhos, os sentimentos, o sentir.

Trudi, apaixonada pelo Butoh (dança-teatro moderno japonês, para os desavisados), deixa de lado seus sonhos e o gosto pela dança por sua tradicional família e seu tradicional marido. Vive feliz, mas inquieta por negar uma parte grande de si mesma. Seu marido, Rudi, só depois de sua morte é que percebe os sacrifícios que a mulher fazia, e resolve sanar sua falta, procurando finalmente conhecer o que ela tanto gostava.

Nesse procura, ele, e o público, descobrem o Butoh. Interessante que este foi apresentado como a dança das sombras, mas não das trevas. Como dança com os mortos, mas despida de sua escuridão. Quem vai ao cinema conhece um butoh doce e leve, à luz do dia, sob as cerejeiras em flor.

Quando Rudi indaga "o que é, como se dança o butoh?", são apresentados os conceitos de dança das sombras, dança do inconsciente e dança com os mortos. Mas são conceitos quase "cor-de-rosa", apresentada por Yu, doce bailarina com um "quê" de clown em suas ações e maquiagem. Fico com algum pé atrás, de esta versão doce do butoh ser apenas uma adaptação, para que a dança, tão chocante e pouco conhecida, fosse melhor aceita no filme.

Mas não posso deixar de admitir que adorei encontrar e me emocionar com o butoh, em toda sua doçura.



Ps.: confesso que não gostei das frases bobinhas usadas no trailer...
Mais sobre butoh aqui.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

- Toulouse Lautrec

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sol

O Sol entra abundante pelas janelas, pela porta. Bate nos azulejos azul-céu-claro, nos plásticos coloridos, nos tacos do chão, nas paredes brancas, no Chico. Entram ar e sons, e tudo é novo, grande, leve. Dá vontade de dançar na sala, pular as escadas, girar o corredor. Metade de dia e já é casa. Arrumo as coisas, caramujo, e já é casa.
Música, sorrisos, sinceridades e alegrias. Sinceridades. Sinceridades.
Tá tudo azul. Céu claro. E algum vermelho. Almodóvar.