sexta-feira, 30 de abril de 2010

Do tempo

"- O que foi?
- Alguém passou por mim.
- Quem?
- O tempo."
Deparei-me com o tempo que passou, e passou tanta coisa.
Foi mudança, liberdade e cabresto, nuvens. Pontas e textos, cera quente, Ofélia. Foi o café que passei a tomar. Foram as noites viradas. Foi a música. Foi a loucura e a insensatez e a alucinação na madrugada. Foi avião e hermanos, um lago tão frio. Foi correr nua.
Foi acolhida e solidão, casa e mal-estar, angústia e embate. Foi um pé na bunda bem dado, coturnos e estrado. Foi o nada, tão nada. Foi a chuva tomada. Foi o choro na prova, foi o Franz na madrugada, foi a amiga ligada. Foi a cidade, morrida, foi a fuga, a fuga.
Foi um "vou embora", brigada, teimosia familiar. Foi caminhão e mudança, pintar paredes, e lar. Foi liberdade e foi gente, foi minha casa, tão minha. Foi um virar madrugadas, rir, conversar, amar, dormir pelo colchão da sala. Foi o som da vitrola. Foi o descobrir a ensinar, foram os sábados pela manhã. Foi a parceria, o carinho, o amor de língua amarrada. Foram bicicletas. Foi Guimarães que eu li. Passei prum café. Foi a raiva do uso, foi o distanciar. Foi uma tentativa de vingança em meio à fumaça, deixa ficar.
Foi a descoberta da luta, foi um "se levantar". Foram faixas, protestos, bombas, violência, correria e medo. Uma praça de aula transformada em praça de guerra. Foi uma noite fria.
Foi um "não quero mais", "vou me distanciar". Foi o "me deixa em paz". Mas me tiraram pra dançar. Foi trabalhar todo dia e estar atarefada. Foi ficar, de novo, apaixonada. Foi querer, de novo, mais e mais estudar. Foi um levante político, um não mais me conformar. Foram noites de sonho, de amor. Foi dançar.
Foi a distância e o avião. Um urso na bolsa e saudade. Foi uma vida sozinha, tempo pra pensar, aprender uma língua, sonhar. Foi viver com o frio e dançar.
Foi voltar.

Pudim de leite

E lá vem ele, no pratinho. É bem molinho por dentro, o fundo durinho, a calda, com gostinho de açúcar queimado.

Eu menina, adorava pudim de leite, daquele que minha mãe nunca mais fez. E manjar branco com ameixas, da casa da avó.

Aquela rampa

Subi a rampa e o sol da tarde entrou por entre as árvores. Verde, dourado. O vento passou fresco e derrubou folhas, devagar. Devagar caíam, douradas. Não seria então como a neve caindo, leve, levitando?

Desci a rampa no escuro, escutando passos, meus e dos outros, silenciosos. O vento passou frio pelo tecido de minha blusa e fez revoar as bandeiras: ti-lin-ti-lin no mastro.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Raiva, legítima raiva

Para compartilhar a leitura:

"É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, e por que não dizer também da obstinação com que falo de meu interesse por tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres, assunto de que saio e a que volto com o gosto de quem a ele se dá pela primeira vez. Daí a crítica permanente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia.
Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser um observador 'acinzentadamente' imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.
O meu ponto de vista é o dos 'condenados da Terra', o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que venho chamando de ética universal do ser humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique."
Paulo Freire - Pedagogia da Autonomia

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Refúgio?

Ele se perdeu, e posso passar dias a vagar com a mochila nas costas.
Nem o refúgio das palavras? Nem das músicas?
Não.
Os dias já correm demais para elas.

... pena. Não o suficiente para parar o relógio.




Me dê a mão, vamos correr até que o tempo pare e as distâncias desapareçam, então tudo ao redor não passará de meros borrões de tinta. Eu e você, para sempre juntos, num turbilhão de cores plácidas.