segunda-feira, 25 de abril de 2011

O "fim da história"

Sequestro da linguagem
(Frei Betto)

Primeiro, disseram que não haveria mais guerrilhas.
Acreditei e, com as botas, abandonei sonhos revolucionários.
Em seguida, disseram que terminara a luta armada.
Tornei-me pois violento pacifista.
Depois, disseram que a esquerda falira,
E fechei os olhos ao olhar dos pobres.
Enfim, disseram que o socialismo morrera,
E que uma palavra basta: democracia.
Então nasceu em mim
A liberdade de ser burguês.
Sem culpa.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Escovas de dente

21h30. Quarta-feira. A farmácia em frente ao ponto de ônibus perto de casa. Viu, preciso de escovas de dente! Vamo lá, rapidinho. Hmm, pacote econômico com três. Oral B Indicator. R$ 10,90. É. Deixa eu ver. Azul, verde. Prefiro esse aqui, que tem roxo e rosa. Pronto! Já esco... "Não olha pra minha cara não, não olha pra minha cara não!" Ahn!? Mas no instante de surpresa antes da compreensão, olhei. Boné. Jovem. Branco. Óculos. Gordinho. Camiseta. Revólver. Bermudas. Boné verde e preto. Revólver antigo, cor de prata, esverdeado. Marcas na pele, restos da adolescência . Revólver. Ahh! "Vamo, vamo, vamo!" Fudeu! Olhos no chão. Porra! A gente podia só não ter entrado agora! Fundo das lojas. Duas senhoras. Senhor. Funcionários. Cofre aberto. Chão. Mão. Sussuro. "Fica calma, tá?" "Tá" Chão. As escovas de dente na minha mão. Rápido. "Eu vou sair, ninguém vem atrás, hein, senão eu atiro em todo mundo! Não olha não, hein!" Pronto. Funcionária da loja, calma, procedimento de rotina. "Vocês estão bem? Levaram algum pertence de vocês? Querem água? Levaram o celular da firma do senhor, né? Olha, tá aqui o endereço da loja se for fazer B.O." "É a primeira vez que isso acontece?" "Não." Ah, tá bom, de rotina. Água. Não levaram nada da gente mesmo. Você tá bem? As senhoras tão bem? "Querem que a gente fique pra falar com a polícia, testemunhas?" "Precisa não, brigada." Ok, casa. Escovas de dente na mão. "Ah, moço, posso comprar as escovas agora?" "Desculpa, fechamos o caixa." Saco! As escovas fizeram falta.



...




Saco! É tão fácil, tão banal, tão presente, tão revelador. Diz tanto. E nós só pensamos nas escovas.