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Mas o Sol insistiu em nascer de manhã... em me tirar da cama, me empurrar pra vida, e sem dar importância para meus olhos inchados me disse assim: " The show must go on! "
Alguma vez você já teve vontade de que te enrolassem em panos quentes, como se enrola um bebê? Já sentiu vontade de ficar pequenininha, num silêncio profundo, como dentro de um ovo?
Já...?
De repente, então, um anjo cai ao solo, com as asas quebradas.
No pedregulho ajoelhado, traz a pele esfolada,
curvado pra frente, todo seu corpo treme, com dificuldade de respirar.
O coração ele sente bater doloridamente, não no peito, mas nas costas, e a cabeça roda
roda
O rosto, nada angelical, se cobre de lágrimas, inchado, vermelho e quente.
Levado por impulso tenta falar, mas nada inteligível se desprende de sua língua em meio à saliva excessiva.
Nas mãos trêmulas segura pedacinhos estilhaçados dalguma coisa que ele pensou talvez ser um brinquedo, ou de borracha. Tenta em vão montar o quebra-cabeças em suas mãos, mas cacos estão perdidos.
Tenta em vão remontar os quadros dos fatos, mas sua cabeça já os embaralhou em meio a tantas quadros que ele gostaria de esquecer. Parece agora, muito mais um zumbi.
Um pobre anjo jaz no chão, despedaçado, pagando caro pelos erros. Pagando caro pelo seu maior erro: não perceber, por muito grande e valioso tempo, que estava errando.
Pés descalços e luzes apagadas na casa vazia.
Da janela entreaberta vêm os ruídos urbanos
a se misturar com a música;
vem o assobio do vento gelado
e vem a única luz, branca, lunar
a iluminar precariamente a cozinha.
E se este cândido disco se esconde entre as nuvens
e a penumbra a invade,
não traz luz, não - deixa-a assim.
Então quem sabe um anjo
que passe e veja de cima
naquela penumbra
aquela menina
no seu triste (será?)
momento de paz
espalhe pro resto dos seres alados
que uma pequena
tão tenra e terrena
traz nas costas
transparentes, etéreas asas,
mas não se deu conta
nem pode voar.