sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Meu passado fala espanhol

Assunpción e seus filhos, Carmen, Trindade, Julia, Salvador e Tonico


Ela guardava rebanhos de ovelhas em alguma montanha da Córdoba, Andaluzia. Oito anos, e seu pai perguntou-lhe:
"Assunpción, quieres ir a Brasil?"
"Si en Brasil no hay ovejas, vámonos."
Assim chegou ao Porto de Santos em 1892, em um navio ignorado, minha bisavó, Assunpción Brigida Gimenez, trazendo com ela duas pequenas relíquias de menina: uma pequena virgem de aço, Nossa Senhora de Mascareñas, bastante parecida com Nossa Senhora de Aparecida, e seu par de castanholas.

Viveu em fazendas, casou-se três vezes. Não cuidou mais de ovelhas mas passou por várias dificuldades. Felizmente, deixou a Espanha antes da guerra civil.
Nunca falou português. Vinha a minha tia, falar com a avó:
"Abuelita, estamos en Brasil, tenemos que hablar en portugues."
"Yo no hablo portugues. Hablo en español, quien lo entiende, bueno, aquellos que no lo entienden, !que se jodan!"

E assim viveu até cerca de oitenta anos, com os cinco filhos, os três maridos (porque as espanholas são calientes), sem jamais falar uma palavra em português. Eu sempre a imagino sentada em sua cadeira num terraço de fazenda, xales sobre o vestido, longos cabelos negros em trança. Ela cantava e tocava castanholas de sua cadeira para a neta querida.

E finalmente, quando vi uma foto sua, lá estava minha bisvó Assunpción sentada em sua cadeira, rodeada pelos cinco filhos, com os cabelos presos para trás numa trança. O xale colocado nas costas da cadeira.
A filha mais nova de Assunpción, Trindade Gimenez Junqueira, minha avó. Era conhecida só por Nena. Para mim, vovó Nena. Contam as histórias dos parentes que ela fora uma grande mulher, forte, trabalhadora, etc. Eu a conheci só no finzinho da vida. Sofrera vários derrames cerebrais, tinha a metade direita do corpo paralisada. Seu quarto, em casa, era como a enfermaria de um hospital, e por isso eu, menina, não gostava de ficar por lá. Quando entrava e me aproximava de sua cama, ela falava com a voz fraquinha, com dificuldade as palavras saíam: "minha netinha!". E era tudo.

Sentada na cadeira de rodas, tinha sempre um guardanapo na mão esquerda, que movia incessantemente para a frente e para trás, movimentos pequeninos e rápidos. Eu sempre me perguntava por quê ela movia assim o guardanapo. Hoje penso o quanto angustiante é não poder mover-se, e aquele sendo o único pequeno movimento possível, ela o repetiasem cessar.

Minha avó, quando jovem, dançava tango. Um dia, menina, encontrei um CD seu, de capa vermelha, Julio Iglesias. "Vovó, vou colocar uma música pra senhora." Coloquei a primeira música e ela, sem falar nada, silenciosamente chorou. Ela, que nunca parecia manifestar emoções aos meus olhos, tinha pequenos riachos descendo pelos rosto. Eu, que não gostava muito de sua silenciosa e inquietante companhia, sentei em seu colo, na cadeira de rodas, e colada a seu rosto via as lágrimas rolarem como rios. Sem palavras. Só a música. Aquela música que na época nada me dizia.

Gostaria hoje que aquela menina, eu-ontem, fosse mais adulta, que entendesse mais, que sentasse mais no colo de sua avó ao invés de evitar seu quarto. Gostaria hoje de poder dizer-lhe "vovó, agora eu também danço tango" e poder contar-lhe como um dia, inesperadamente, um menino tirou-me para dançar e contar-lhe como aprendi a dançar e como aprendi a gostar e contar-lhe como hoje eu também me emociono com as músicas que a emocionavam.
Gosatria dizer-lhe: "Vovó, mesmo sem saber segui seus passos."

Uma refeição italiana

Na Itália come-se muito. Um tio que viajou à Itália reclamava que por lá comera mal, os pratos eram sempre pequenos. Reclamava ele porque na verdade, sem saber, comeu só um terço de uma típica refeição italiana. Como explica um legítimo italiano, come-se muito porque estar na mesa, comendo e conversando com os familiares e amigos, é um ritual.

Então vamos à refeição:

1. Primeiro prato:
O primeiro prato pode ser sopa, risoto ou massa. O mais comum é realmente a massa, em uma variedade enorme, e realmente deliciosa. Aí o meu prato de bigoli (espécie de espaguete mais grosso) com camarão e tomates cereja.

2. Segundo prato:
O segundo prato é, em geral, uma carne - as mais comuns são peixe, frango, boi ou coelho! ps.: coelho é gostoso.No prato, picanha mal-passada acompanhada de espécie de patê de rúcula com queijo. E o segundo prato sempre vem acompanhado do...


3. Contorno:
Que pode ser grandes porções de salada, legumes, batata cozida ou frita... ao gosto do cliente. No prato, berinjela, abobrinha e cogumelo grelhados.


4. Sobremesa:
Doce!!! Um doce bem típico é o Tiramisu, feito com creme, chocolate e algo de café. Mas não só doce, os italianos também comem muito frutas como sobremesa, e o sorvete - gelado em italiano, é delicioso.


5. Sorbeto:
Não, não é sorvete. É uma espécie de milk-shake de limão alcoólico que se toma após as refeições, ou, em grandes refeições, entre um prato e outro. Digestivo. E para arrematar, um...


6. Café:
O café expresso italiano é ótimo e muito forte. É servido na xicrinha de café, mas ao invés desta vir cheia, vem com apenas dois dedos do líquido - porque é tão forte que se viesse cheia seria difícil de tomar. Na escala de concentração do café podemos colocar café italiano (fortíssimo) > café expresso brasileiro (fortinho) > café de coador brasileiro (mais ou menos) > café americano (chá).

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Do luxo

Como explicar um lugar ao mesmo tempo apaixonante e repulsivo? Assim me sinto no sul da França (e perdoem a falta de acentos).

A primeira impressão que tive da Europa, ainda no aeroporto, foi de um lugar em que se da muito valor ao bem estar pessoal, e nem tanto valor assim para a interação com as pessoas ao redor. Infelizmente ainda nao tive a oportunidade de conversar mais com pessoas do lugar para entender melhor isso.

Depois vem a sensação de estar em um lugar realmente avançado, civilizado. Dos fogões das casas às sacolas de supermercado, da limpeza e silêncio das ruas ao transporte publico. Tudo, porém, é carissimo, ao menos nessa região. Como pagar 4 euros por uma hora na lan house? O aluguel de um kit-net em Aix-en-Provence, cidade pequenina? 500 euros. O aluguel de um quarto de empregada, sem cozinha, por sorte com banheiro privado em Paris? 700 euros.

Depois o encanto. Lindissimas cidades, todos os prédios alinhados, não muito altos. Varandinhas e chaminés, tão cinemamente franceses. Vilas medievais de 700 anos, ruas apertadinhas, construções de pedra, escadas, varandas, flores na janela, um gato passeando pelo frio.

O sul da França parece so ter vida no verão. Agora esta tudo deserto, e dou graças a deus por isso. Pois a vida de verão é a do turismo milionario. Por isso nas cidades com tanta cara de simplezinhas, simpaticas, apertadinhas e bonitinhas, nos térreos dos prédios seguem-se lojas e mais lojas de grife. Louis Vitton, Channel, Dolce e Gabbana, Swatch, e por ai vai.

Cannes é uma vitine de luxo. No domingo de manhã, na beira da praia, segue um desfile de casacos de vison. Em Monaco vê-se visons e diamentes no ônibus. Na frente do cassino, uma fila de Ferraris e Mercedes. Ao olhar o mar, a vista é sempre ofucada por uma profusão de iates.

E ha turismo apenas para ver todo esse luxo. No verao, St. Tropez, cidadezinha de 5 mil habitantes, recebe 100 mil visitantes por dia, e a maioria desses vem lotar as ruas apenas para avistar ao longe os iates e casas dos milionarios. Estes, de seus iates, apelidam seus admiradores de "chupadores de sorvete", pois enquanto eles curtem o mar de seus barcos, os outros, a admira-los, so contam com os sorvetes para aplacar o calor de 35°.

Pronto, falei. Todo esse luxo me é repulsivo.