Ela o cavalgava, quieta. Sem prazer, para dar-lhe prazer. Ele deleitava-se, olhos cerrados, perdido na maciez do travesseiro, perdido na maciez de suas carnes. Ela lhe cravava olhos suplicantes, angustiados, invejosos de seu prazer. "Olha-me! Olha-me!", diriam os olhos, se vistos. Mas nunca assim seriam vistos. Súplica silenciosa. "Quero compartilhar desse prazer!" E os olhos suplicavam assim, como acreditando que, se mirados também, seriam sugados para dentro das ondas de prazer e calor que o sacudiam, enxarcavam. Contraste. Ela branca, branquíssima, corpo seco, movimentação mecânica. Ele, pele molhada, morena, movimentando-se preguiçosamente, levado por arrepios. Perdido, maciez acima e abaixo, entre a brancura dos lencóis e a da pele dela.
Sei que são primárias as minhas frases, escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas, mas amor demais prejudica os trabalhos. (...) Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. (...) Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante. (Clarice Lispector - Água Viva)