Naqueles tempos eu mal percebia. Ingenuidade de quem não se levantara do berço da acomodação. Eu era um cavalo, permita-me tal comparação, que selado carregava tudo o que me colocassem na espinha. Não é necessário, porém, expor as feridas de um passado mal vivido, se é que pode-se dizer assim. Talvez não fosse apenas medo de ir em frente, mas uma cegueira que já não me conduz. Lamentar-me é dar um passo atrás quando se limita à uma intransitividade. Não o é quando se entende que nunca está tudo perdido. Por que, afinal, a vida amanhã é outro dia. Um animal acostumado assim, a um mundinho pequeno, agora corre livre na natureza. Um cavalo selvagem, porém perdido. Ele agora consegue enxergar tudo aquilo que você já fizera a tanto tempo, naqueles tempos, quando você me convidara para dançar, e recusei-me. Mas certifique-se que a perdição do cavalo, isto é, minha, ainda achará seu rumo. Uma jornada eterna, mas menos voraz por não sentir-se unânime na decisão. Tudo isso resume-se a uma só palavra, que pode parecer sem sentido para você, mas que inquietou-se no gargalo das minha memórias: obrigada.
Sei que são primárias as minhas frases, escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas, mas amor demais prejudica os trabalhos. (...) Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. (...) Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante. (Clarice Lispector - Água Viva)
2 comentários:
Acima de tudo, é a vida que vem e nos leva além, em toda a sua sinuosidade.
Naqueles tempos eu mal percebia. Ingenuidade de quem não se levantara do berço da acomodação. Eu era um cavalo, permita-me tal comparação, que selado carregava tudo o que me colocassem na espinha. Não é necessário, porém, expor as feridas de um passado mal vivido, se é que pode-se dizer assim. Talvez não fosse apenas medo de ir em frente, mas uma cegueira que já não me conduz. Lamentar-me é dar um passo atrás quando se limita à uma intransitividade. Não o é quando se entende que nunca está tudo perdido. Por que, afinal, a vida amanhã é outro dia. Um animal acostumado assim, a um mundinho pequeno, agora corre livre na natureza. Um cavalo selvagem, porém perdido. Ele agora consegue enxergar tudo aquilo que você já fizera a tanto tempo, naqueles tempos, quando você me convidara para dançar, e recusei-me. Mas certifique-se que a perdição do cavalo, isto é, minha, ainda achará seu rumo. Uma jornada eterna, mas menos voraz por não sentir-se unânime na decisão. Tudo isso resume-se a uma só palavra, que pode parecer sem sentido para você, mas que inquietou-se no gargalo das minha memórias: obrigada.
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