segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Domingo

Dona Terezinha parou a varreção da casa para atender o vendedor das cartelas de jogo.

- Dia, Dona Terezinha! Tudo certo?

Destrancou o cadeado, subiram à cozinha. Serviu no copo o café, acendeu um cigarro. Ele espalhou pela mesa as cartelas coloridas. O barulho da panela e o cheiro de feijão cozido enchiam o cômodo.

- Pois hoje eu sonhei com um bicho meio amarelo, seu Rui, comprido...

- Joga na girafa, então, que sorte de sonho é coisa certa! E, olha só, hoje tenho uma rifa também, é de uma batedeira, uma belezura! Dois reais o nome.

Examinou a cartela. Decidiu-se por Adelaide, Elizabeth e Márcia. Foi ao quarto, tirou da lata de biscoitos, sob as roupas por passar, algumas notas amassadas, pagou o homem.

- Volto na terça. Bom domingo!

Terminou a varreção, separou feijão cozido. Ahh, o remédio da pressão! A cartela estava quase acabando e nem meio de mês era ainda. Encheu o copo de café, acendeu um cigarro, ligou a TV.

Tirou da gaveta as Tele-Senas. Era dia de sorteio. Do Carnê do Baú já ganhara um liquidificador e um aparelho de barbear, que dera ao filho. Da Tele-Sena ganhara numa ocasião cento e vinte e dois reais e quarenta centavos. Dezoito anos apostando.

Até agora, sorte pequena, mas a sorte grande devia logo chegar. Inscrevia-se também em programas de auditório. Por três vezes fora assistir a gravações, mas nunca conseguira participar. Maior tristeza quando fora pré-selecionada para o Topa Tudo Por Dinheiro, mas justo naquele final de ano em que passara as festas com a família no Alagoas ...

Separou a cartela do dia, conferiu os números marcados, rezou uma Ave-Maria, beijou o papel colorido. Chegaram a filha e os dois netos.

- Mãe, não termina o almoço não, hoje a gente vai pro shopping.

Ah, mas cada ideia! Queriam é fazê-la perder o sorteio na TV, só podia. Relutou um pouco, mas não houve jeito. Desceram a ladeira até o ponto de ônibus. Enquanto esperavam, fumou um cigarro.

O ônibus estava cheio. Ainda bem que domingo não tinha trânsito. O shopping, incrivelmente lotado. Era preciso segurar firme as crianças e abrir caminho até a praça de alimentação.

- Mãe, acho bom a senhora não comer do McDonalds, não. Lembra do colesterol que tá alto?

Procurou uma opção mais saudável de almoço. Encontrou, meio afastado dos outros, um lugar que servia pratos light. Vixe!!! Mas vinte reais só um prato de salada? Acabou comendo um pastel.

As crianças, não satisfeitas com os brindes do lanche, queriam parque. O lugar era cheio de luzes e barulho. Saiu pelo corredor, foi às casas lotéricas. A Mega-Sena estava acumulada novamente. Fez um jogo. Ali, uma TV. Logo mais, o sorteio da Tele-Sena. Sentou-se num banco, acendeu um cigarro.

- Com licença, senhora, não é mais permitido fumar no interior do shopping.

Mas como? E essa agora! Tinha de ir até o estacionamento externo se quisesse fumar. Apagou o cigarro, assistiu ao sorteio. Quase! Voltou ao parque.

- Mãe, onde é que a senhora estava? Tem de olhar as crianças para eu passar nas Pernambucanas!

Ficou com os pequenos. Fizeram birra por chocolate. Gritavam demais. Comprou um para cada. Passaram no supermercado. Foram ao ponto, acendeu um cigarro. Pegaram o ônibus, lotado de gente com muitas sacolas e que falava demais.

Subiram a ladeira. Com vagar, que as pernas já não eram as mesmas de antes. Despediu-se dos netos, ligou a TV, acendeu um cigarro. Podia agora, ao menos assistir o final do Sílvio Santos.

Um comentário:

Pedro disse...

interessante...
não sei se é meu olhar viciado, mas me pareceu melancólico...

bom