segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Verde. Azul...

Era linda. Se não a encontrasse ali, diria uma turista europeia, visitando o Brasil. Roupa despojada, dia de calor.

Sentada à mesa ao lado, veio me interrogar. Fizera FAU, falava engraçado. Julguei ser o sotaque, alemão talvez. Alemã, loira, cachos.
Mas não era alemão o sotaque, era psiquiátrico.

Veio interrogar-me com ânsia, corpo inclinado para frente. Os olhos, os olhos.... claros, no meio termo entre o verde e o azul. Aquele belo meio termo. Grandes, grandes, fixos em mim, interrogadores, estalados, suplicantes, suplicando uma resposta. O rosto, belo rosto, todo súplica, todo tenso, esperando...

Esperando não, não podia esperar! Ânsia! Questionava a mim e a qualquer um a dúvida que a atormentava. Qualquer um servia. Não podia segurar a pergunta.

Inclinou-se, trespassada de ansiedade.

"É possível voltar atrás em alguma coisa que se fez? É possível voltar atrás?"

Ânsia. Olhos. Meio-termo. Súplica.

"Eu disse que queria virar puta, você acha que eu posso voltar atrás?"

Olhos. Súplica.
Me responde! Me responde! Eu preciso de uma resposta!, me diziam os olhos.
Verde. Azul. Súplica.

"E eu me queimava também. Queimava a pele com ponta de cigarro."

A pele tão clara.... tão fina... Olhos, infantis. Me olhavam de baixo, da cadeira. Os olhos de uma criança. Confessando que quebrara o vaso da sala.

...mas é que foi sem querer... eu tropecei... não queria mesmo quebrar...

Ela não queria quebrar o vaso...

Ela não queria....

Verde. Azul. Deram um nó dentro de mim.

"A gente sempre pode voltar atrás. Sempre pode... Não faz mais assim não. Vacê é tão bonita...."

Ela sorriu. Criança. Criança à qual se dá agrado. Agrado. Os olhos pedindo: "me agrada?"

Ah, criança...
Verde. Azul. Nó.
No estômago, na garganta, nariz, olhos.

"Brigada! Você também, é linda!"

"Tchau, bom almoço!"

Vim com meu nó. Não almocei.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Domingo

Dona Terezinha parou a varreção da casa para atender o vendedor das cartelas de jogo.

- Dia, Dona Terezinha! Tudo certo?

Destrancou o cadeado, subiram à cozinha. Serviu no copo o café, acendeu um cigarro. Ele espalhou pela mesa as cartelas coloridas. O barulho da panela e o cheiro de feijão cozido enchiam o cômodo.

- Pois hoje eu sonhei com um bicho meio amarelo, seu Rui, comprido...

- Joga na girafa, então, que sorte de sonho é coisa certa! E, olha só, hoje tenho uma rifa também, é de uma batedeira, uma belezura! Dois reais o nome.

Examinou a cartela. Decidiu-se por Adelaide, Elizabeth e Márcia. Foi ao quarto, tirou da lata de biscoitos, sob as roupas por passar, algumas notas amassadas, pagou o homem.

- Volto na terça. Bom domingo!

Terminou a varreção, separou feijão cozido. Ahh, o remédio da pressão! A cartela estava quase acabando e nem meio de mês era ainda. Encheu o copo de café, acendeu um cigarro, ligou a TV.

Tirou da gaveta as Tele-Senas. Era dia de sorteio. Do Carnê do Baú já ganhara um liquidificador e um aparelho de barbear, que dera ao filho. Da Tele-Sena ganhara numa ocasião cento e vinte e dois reais e quarenta centavos. Dezoito anos apostando.

Até agora, sorte pequena, mas a sorte grande devia logo chegar. Inscrevia-se também em programas de auditório. Por três vezes fora assistir a gravações, mas nunca conseguira participar. Maior tristeza quando fora pré-selecionada para o Topa Tudo Por Dinheiro, mas justo naquele final de ano em que passara as festas com a família no Alagoas ...

Separou a cartela do dia, conferiu os números marcados, rezou uma Ave-Maria, beijou o papel colorido. Chegaram a filha e os dois netos.

- Mãe, não termina o almoço não, hoje a gente vai pro shopping.

Ah, mas cada ideia! Queriam é fazê-la perder o sorteio na TV, só podia. Relutou um pouco, mas não houve jeito. Desceram a ladeira até o ponto de ônibus. Enquanto esperavam, fumou um cigarro.

O ônibus estava cheio. Ainda bem que domingo não tinha trânsito. O shopping, incrivelmente lotado. Era preciso segurar firme as crianças e abrir caminho até a praça de alimentação.

- Mãe, acho bom a senhora não comer do McDonalds, não. Lembra do colesterol que tá alto?

Procurou uma opção mais saudável de almoço. Encontrou, meio afastado dos outros, um lugar que servia pratos light. Vixe!!! Mas vinte reais só um prato de salada? Acabou comendo um pastel.

As crianças, não satisfeitas com os brindes do lanche, queriam parque. O lugar era cheio de luzes e barulho. Saiu pelo corredor, foi às casas lotéricas. A Mega-Sena estava acumulada novamente. Fez um jogo. Ali, uma TV. Logo mais, o sorteio da Tele-Sena. Sentou-se num banco, acendeu um cigarro.

- Com licença, senhora, não é mais permitido fumar no interior do shopping.

Mas como? E essa agora! Tinha de ir até o estacionamento externo se quisesse fumar. Apagou o cigarro, assistiu ao sorteio. Quase! Voltou ao parque.

- Mãe, onde é que a senhora estava? Tem de olhar as crianças para eu passar nas Pernambucanas!

Ficou com os pequenos. Fizeram birra por chocolate. Gritavam demais. Comprou um para cada. Passaram no supermercado. Foram ao ponto, acendeu um cigarro. Pegaram o ônibus, lotado de gente com muitas sacolas e que falava demais.

Subiram a ladeira. Com vagar, que as pernas já não eram as mesmas de antes. Despediu-se dos netos, ligou a TV, acendeu um cigarro. Podia agora, ao menos assistir o final do Sílvio Santos.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

fortaleza-de-lego

Dissertação Frankstein, montagem de pecinhas de lego, escrita a 6 mãos, numa "construtiva" aula de história do jornalismo.

"Faber", do latim, é construir. Talvez o nome Fabrício signifique um obreiro, um construtor. Mas o que ele constrói?

Ele pode usar sua capacidade de construir para o bem ou para o mal. Pode construir uma muralha da China, mas também pode construir um muro de Berlim.
O Fabrício que conhecemos, por natureza, e aí me utilizarei da psicologia de boteco, constrói barreiras. E isso não é necessariamente ruim. Ás vezes é fascinante.

Ah, mas o que são barreiras sem ninguém para guardá-las? De que serve uma muralha, um muro, ou cerca se não há por quem resistir? E se não há quem proteger? Porque existir?

Penso que as barreiras que ele levanta são feitas de algo diferente de concreto e tijolos. São barreiras que tem a sua essência na casa das idéias. Você pode entrar na sala, dar bom dia e ir embora. Se for um ser - humano mais "convidativo" saberá ir até a cozinha, trocar algumas frases e até conhecer o quarto. São poucos que chegam até lá. É o crivo do construtor. É a barreira seletiva dos que só chegam e dos que chegam lá!!!!!

Mas este caminho percorrido da sala ao quarto é a transposição de barreiras. Os indivíduos têm em seu peito barreiras que guardam seus segredos, suas preciosidades. Transpor essas barreiras, chegar ao fundo no conhecimento de alguém é receber um tesouro. Este construtor não seria, então, um desbravador a transpor barreiras?

Seria e o é. E deve ser por isso que você, cara leitora, está com ele. Para lhes transpor as barreiras e conhecer seus mais profundos segredos. E a recíproca dele é verdadeira também !!!

autores na boteco-groselhagem: Eduardo Graziani, Heloísa Favaro, Mariana Franco

entressafra

Baixa produção de textos... Conheci agora e adorei essa banda: Cérebro Eletrônico

(composição, Tatá Aeroplano)

Dê amor
Dê paixão
Dê espera
Dê esperma
Dê prazer
Dê fogo
Dê uma nela
De carinho
De sacanagem
De sarro
De fato
Dê amor
Dê segurança

De anca na anca dela
E amanheça de cabeça dentro dela




http://www.myspace.com/cerebroeletronico