sexta-feira, 30 de maio de 2008

divagando - sentimentos esfiapados

É assim que acontece a maioria das vezes: as pessoas não percebem que machucam umas as outras. Elas não imaginam o sofrimento que pode estar escondido por trás de um sorriso-piloto-automático, sofrimento que elas próprias causaram.
Seremos realmente sistemas isolados? Meus olhos não comunicam ao outro meus sentimentos? Acho que a maioria de nós simplesmente não compreende os sinais... eles são tão sutis.
É preciso sensibilidade para enxergar além da casca – para ver além da superfície dos sorrisos, risadas, piadas, pilotos-automáticos.
A maioria de nós é em parte autista – só está pronta para tocar a casca da vida, das pessoas, dos sentimentos. A outra parte – líquida, intensa, implícita, extralinguística, sentimentos – essa maioria não consegue encarar nos olhos.
Nem tudo se fala – não é possível espremer a alma de uma pessoa em palavras como se espreme o suco de um limão.
Pensamentos são fiapos de fumaça. Sentimentos também, somente fiapos soltos, subindo e se perdendo na noite doce. E eu não posso fechá-los todos em minhas mãos, transformá-los todos em palavras. Dizer “triste” ou “amor”, é infinitamente mais impessoal do que observar esses sentimentos, extralinguisticamente, subirem em fiapos esbranquiçados no meio da escuridão, exalando toda sua essência: cheiro cinza-azulado de tristeza, cheiro vermelho-rosado de amor.

Eu quero sentir o sabor daquilo que se esconde por trás das coisas intocadas.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sou-me

Clarice me entende. Ou eu desentendo-me como ela desentede a si-it-mesma.

"Eu sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre a corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço. (...) Para onde vou? e a resposta é: vou."
(Clarice Lispector - Água Viva)

No dia em que eu escrever como essa mulher todas minhas águas borbulharão e meu it correrá - um grande, belo, castanho cavalo - por campos livres, destruindo com suas patas tudo que é friamente cimento.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Pirata da Poeira

Uma caixa de Dom Perignon.
Uma caixa velha, desmantelada e empoeirada de Dom Perignon.
Ah, mais! Bem mais!
Um baú do tesouro de papelão.
(e eu pirata desbravadora das estantes esquecidas)
Um sarcófago perdido nos milhões de segundos de uma década,
com pistas de mistérios intímos.
Quebra-cabeça particular de emoções,
mosaico de pedaços de vida.
Caligrafias que se mesclam e a doce dúvida
do seu próprio envolvimento esquecido na história.
Materialização - provas pessoais de histórias contadas.
Revelação - as pistas soltas por milagre se encaixam
(tudo tudo leva ao momento certo de abrí-las, desde as noites sem sono aos programas de TV).
Revelação - e o sorriso custa em deixar o rosto.
Revelação - e os sonhos distantes estiveram sempre muito mais próximos do que poderíamos algum dia sonhar.
Revelação - e a conclusão de que não estou mesmo fadada à normalidade.
Lágrimas emocionadas,
e com reverência quase religiosa recoloco Meu Baú do Tesouro em sua morada.
(e os sonhos estão perto, tão perto, tão perto)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

bolinhas.

íntimo - Marcia Maia

sentes?
esse arrepio que disfarço
essa chuva que dentre as pernas
se me brota
umedecendo-me secretamente
esse descompasso bater do meu
coração urdino
jam sessions de desejo
dentro em mim
enquanto olhar sereno riso
nos lábios
todas as tuas histórias escuto
sem que te apresse
sem que me apresse

sentes?

sábado, 17 de maio de 2008

Delirantes pesadelos

Eu havia morrido - não me recordo o motivo - e pessoas queridas estavam em meu funeral. Porém, minha alma estava lá entre eles, e ela tinha existência material. Eu podia ainda conversar, ver, tocar as pessoas, sentí-las e ser sentida, apesar de estar invisível. O primeiro a perceber - e acreditar - em minha presença lá foi o Zé. Ele me ajudou a fazer com que a Dani e o Glauber percebesem também minha presença. Para convencer esse último, acariciei seu rosto, abracei-o, sussurrei em seu ouvido (tutu!) e dei uma mordidinha em sua bochecha. Convenci-o.
Mas o corpo em vida era como uma fôrma de gelo e a alma sozinha era como gelo desenformado: com o tempo derrete, escorre, deixa de existir. Eu já estava derretendo, não conseguia me firmar em pé. Meus três queridos iam me levar para longe do funeral de meu corpo, para que eu pudesse derreter em algum lugar calmo e belo. Abraçando o Zezito para me manter em pé (minha altura já diminuída, semi-derretida, eu apoiava o rosto no meio de sua barriga) queixei-me entre lágrimas de que o Glauber, em sua dor, estava evitando-me nessa versão mole, dissolvente. Bobeira, dizia-me ele. Restava-me já pouco tempo.
Entramos num fusquinha - o Zé dirigindo, a Dan ao seu lado, o Glauber atrás, e eu, já sem poder me sustentar, deitei com a cabeça em suas pernas. Com a força que me restava apertei sua perna e voltei meu rosto para o dele. Ele me fitava diretamente nos olhos - não tenho certeza se podia me ver ou se só sentia minha presença amolecida em seu colo. Partimos em silêncio. Meus queridos me levavam para algum lugar onde houvesse céu azul, grama, montanhas e árvores. Meu amor acariciava lentamente minha cabeça, mas suas carícias afundavam em minha substância já quase líquida. Tentei dizer a ele que continuasse a vida uma vez que eu tivesse ido, mas a cada segundo eu perdia mais percepção do meu corpo, anestesiada, já não podia falar. Sons e imagens misturavam-se. Derreti no banco do fusca.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

E apesar de tudo que escrevo (como poderia ser de outro jeito?) eu sou feliz.

terça-feira, 13 de maio de 2008

eu levo a Lua nas mãos

domingo, 11 de maio de 2008

saudade.


A luz acabou, e como não restasse mais nada a fazer no silêncio da casa, aproveitei o resto de bateria do meu computador para assistir à gravação do espetáculo O Estado das Coisas no Limite do Silêncio; a segunda apresentação desse espetáculo, e a última da qual participei.
Não tenho certeza se era emoção ou se era o frio, mas enquanto assistia, em vários momentos comecei a tremer compulsoriamente. O peso enorme das cenas e palavras se abateu sobre mim, um peso que não percebia em toda sua magnitude lá de trás das coxias, no corre-corre dos bastidores. Tive a visão de um espectador, e percebi o quanto o espetáculo é cruel, o quanto fere, pesa.
Também, em outros momentos, cheguei a chorar, mas então não tão somente pelo peso do espetáculo e suas cenas, mas por saudade. Saudade daquela vivência, daquelas pessoas, daquele momento em minha vida que, mesmo às vésperas dos vestibulares, eu dedicava toda minha alma àquele espetáculo e ao teatro. Sim, aquilo me absorvia por completo. E aliado a isso, também, aquele momento de convivência tão intensa e de pessoas queridas.... aquela amizade forte construída quase diariamente em momentos bons... e também um amor que começava, os carinhos que iam evoluindo, pouco a pouco , intimidade que passou das aulas, dos ensaios, do palco, pra vida.
Ah, mas que saudade das pessoas, saudades dos bastidores, da arrumação, de carregar quilos e quilos de cenário e figurino (quanto figurino!), arrumar todos os mínimos inúmeros detalhes, (quantas correntes pra desenrolar!) saber de tudo que ocorria, e de tantas brincadeiras, diversão de estar junto,e ter naquilo uma felicidade imensa, imensa...
Emoção imensurável, de uma vivência imensurável, saudade imensurável de tudo aquilo.
E a vontade de voltar àquele espetáculo, e a vontade de com a mão puxar da tela cada um que ia aparecendo e abraçar. Vontade de viver tudo aquilo de novo. Aquele é o meu lugar, no palco, nos bastidores, nas coxias.