terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um carrossel

"Estava numa pobre vila do sertão e não lhe faltava o dinheiro apenas para o transporte do seu carrossel. faltava para o miserável hotel onde se hospedara e que era o único da vila, e também para o trago de pinga, para a cerveja, que não era gelada ali, assim mesmo ele gostava. O carrossel armado no capim da praça da Matriz estava parado fazia uma semana. Nhozinho França esperava a noite de sábado para ver se fazia algum cobre para arribar para algum lugar melhor. Mas na sexta-feira Lampião entrou na vila com vinte e dois homens e então o carrossel teve muito que trabalhar. Como as crianças, os grandes cangaceiros, homens que tinham vinte e trinta mortes, acharam belo o carrossel, acharam que mirar suas luzes rodando , ouvir a música velhíssima de sua pianola e montar naqueles estropiados avalos de pau era a maior felicidade. E o carrossel de Nhozinho França salvou a pequena vila de ser saqueada, as moças de serem defloradas, os homens de serem mortos. Só mesmo os dois soldados da polícia baiana que lustravam as botas na frente do posto policial foram fuzilados pelos cangaceiros, assim mesmo antes que eles vissem o carrossel armado na praça da Matriz. Porque talvez até os soldados da polícia baiana Lampião perdoasse nessa noite de suprema felicidade para o bando de cangaceiros. Então eles foram como crianças, gazaram daquela felicidade que nunca tinham gozado na sua meninice de filhos de camponeses: montar e rodar num cavalo de madeira de um carrossel, onde havia música de uma pianola e onde as luzes eram de todas as cores: azuis, verdes, amarelas, roxas e vermelhas como o sangue que sai do corpo dos assassinados."

(Jorge Amado - Capitães da Areia)

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