sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre palavras.

Rabiscos de um caderno, de algum momento perdido do, não longínquo, mas tão passado, ano de 2007.

Não quero escrever obras-primas. Não tenho idade para elas.
Muito ainda hei de viver antes de escrevê-las.
Isso tudo me cansa. Igualdade disfarçada de privilégio.
Quero um abraço de ar.
Rabiscar mil palavras que acabarão no lixo me contenta, se delas puder extrair três, dois, ou mesmo um verso que me valha.
Sete palavras. Seis. Podem mudar uma existência.
Contribuir para uma vida.
São tantas assim que me vêm à mente.
Que meus lábios repetem no silêncio sem sentido
estampado na testa.
Dormem simplesmente em meu inconsciente e pulam à boca uma hora, para embalar pensamentos esquivos.
Ou só para serem repetidas, como se elas próprias tivessem prazer em se fazer murmuradas.
Se um dia eu fizer uma frase, um verso como estes,
estarei contentada.
Para que possa embalar outros lábios que murmuram
e pensamentos que viajam.

Penetra surdamente no reino
das palavras...
(seis palavras. inesquecíveis.)


Um pouco do contexto desses versos se perdeu, pelos anos, em minha memória.
Milhares de minhas palavras ainda são rabiscadas destinadas ao lixo.
Meus lábios ainda murmuram
e os pensamentos se esquivam.

3 comentários:

Mariliza Silva disse...

Querida Maria Joana

Suas palavras dizem muito mais que você imagina. A interpretação depende do coração de quem lê!

Adorei!

Renovei nossa casa: o blog Tempodesaturno.blogspot.com

e agora com meus amigos blogueiros linkados devidamente para que eu possa acompanhá-los com mais frequência!

Aguardo sua visita!

Sugestões são bem vindas!

Um grande abraço

Mariliza Silva

Palhaço do circo sem futuro disse...

Mais da metade das minhas palavras se destinam ao lixo... Às vezes acho um fim tão triste pra elas, mas aí paro e penso: quem me garante ser o fim?

Gostei muito disso. Muito mesmo. Quantas vezes poucas palavras no meio de um monte de lixo mudaram minha vida... :)

Unknown disse...

Mari, caríssima,
Há no seu texto uma impressionante força de fragmentação, de descontinuidade, de antilinearidade que, ao meu ver, sugerem um processo inconsciente de desconstrução textual. Sinto que um texto se constrói e se reconstrói continuamente na medida em que é desenvolvido. Seu escrito, porém, põe abaixo a linearidade, desfaz várias vezes a seqüência esperada de idéias, contradiz a linha do sentido de modo caótico, como se você estivesse ouvindo as várias vozes da sua inconsciência e escrevendo exatamente o que está pensando sem filtrar ou censurar nenhuma frase (algo que me lembra o processo freudiano de livre associação de idéias). Há algo de James Joyce nesse texto (mais especificamente de “Ulisses”, quando Molly começa a “etiquetar” seus pensamentos), mas pressinto uma sutil angústia existencial atrás das palavras. Parece-me que o elemento caótico do texto oculta algum desejo de realmente colocar todas as formas unitárias, todas as regras de integração, todas as forças de constricção ao chão. Pulando de um pensamento a outro seu eu-lírico (você?) encontra uma espécie de liberdade realizável somente no mundo da imaginação. Mas, mesmo assim, há uma curiosa ambivalência entre a frase inicial e a frase final. Você não pretende realizar uma grande obra ainda, mas sabe que uma palavra pode mudar uma vida e almeja produzir um verso que propicie prazer só por ser murmurado. É como se, na sua caxola, houvesse muitos protagonistas, cada um deles reinvindicando, no mesmo texto, o direito à palavra. Seu texto é, portanto, algo que está mais próximo da poesia dramática teatral do que da poesia lírica: não há só você nele – ali estão tamém seus outros personagens. Acho que você é (perdoe-me a obviedade) muitas, buscando alguma unidade no ato de escrever, mas seu texto reitera a multiplicidade e, encantada com sua própria diversidade, você nada censura, nada organiza, nada repõe. Esse é modo belo, embora um tanto arriscado, de existir.