domingo, 8 de junho de 2008

Óculos Roubados

Crianças gostam de observar. Elas reparam nas pessoas, nos detalhes, em cada pequena coisa, e põem-se a imaginar em cima delas. Eu acho que sou ainda criança: sento-me no metrô e observo rostos, roupas, expressões, sapatos para lá e para cá.
Minha infância foi de andar a pé, por estradas de terra, pontes banguelas de madeira sobre córregos , ruas de paralelepípedos e atalhos por entre pequenos bosques (e o mistério e o medo de uma casa escondida nesse bosque, como casa de roça, com gente velha, imagens de santo, cheiro de fogão de lenha, folhas secas na frente, cantos, velas e usualmente oferendas - e o medo do desconhecido). Ou, no mais longe, andar de fusca. Fusca sem bancos (só o do motorista sobrevivia), entre cartelas e montanhas de ovos - segura eles nas curvas pra não tombarem! Os costumeiros dias de entrega: terça, quinta e sábado - anota os pedidos na listinha, prende no painel do fusca, cartelas, saquinhos e todos aqueles ovos. E todo aquele cheiro - cartelas de papelão, ovos.
Imagino como é, então, na infância andar de metrô. Desde cedo: muita gente; desde cedo: tome cuidado; desde cedo: não converse com estranhos; desde cedo contando estações, aprendendo seus nomes, aprendendo a ter medo, a desconfiar, a segurar a bolsa bem perto do corpo (a gente desce na próxima, né?).
Eu sou ainda criança - conto estações, olho lugares, reparo pessoas, imagino histórias.
Uma criança - com mais tamanho e só um pouquinho mais de malícia. A adultescência ainda não me pegou por completo - ao menos não nesse aspecto.
E espero mesmo que nunca pegue. Ver o mundo com os óculos roubados da infância é muito mais interessante.

6 comentários:

Clara disse...

Ahh, minha infância também foi muito tranquila e feliz! Daquele tipo em que a gente podia ficar no meio da rua brincando sem ter medo de carro e nem de ladrão..
E não faço a menor idéia de como deve ser a infância morando em cidade grande! Talvez seja um pouco menos "infância" do que deve ser...

bjux, Mari!

Mau Exemplo disse...

Para a criança, td é novo, então até o q é considerado banal, é interessante para ela. Essa é uma característica q perdemos com o tempo. Você consegue manter essa peculiaridade, isso é ótimo!
Bjus

Fontes disse...

Ah, infância em cidade grande é legal também! Visitas ao zoológico, parques de diversão, playgrounds de prédios, fliperamas, brinquedos, desenhos na TV. Um monte de diversão enlatada e cheia de conservantes. Mas divertida e nostálgica do mesmo jeito.

Unknown disse...

Oi Mari!
Eu lembro de quando, na primeira semana de aula, você comentou do seu blog e eu pensei "puxa, que nome legal"...mas eu só pude ver que é muito mais do que isso só agora!
E como uma criança crescida em cidade grande, eu posso dizer que a minha infância não foi tão paranóica assim. Pelo menos quando a gente é criança a gente não percebe. A gente fica no térreo do prédio brincando ou na escola. Mas eu também tenho que admitir que eu contava os dias para ir ao interior, na casa da minha vó. Lá estão as minhas maiores lembranças...
E eu posso dizer com certeza que eu ainda não larguei esses "óculos" e não espero largá-los tão cedo!

Bruna Vicente disse...

Ah inf�ncia!Que os meus �culos roubados da inf�ncia n�o desapare�am...t�o suave e doce teu texto.

Beijo

Fontes disse...

"Sertão é dentro da gente, é à nossa volta, é nos podres que nos cercam, é na escuridão dos preconceitos da nossa mente. É no cangaceiro, no seringueiro, no escravo, no caipira, no menino que pede esmolas no sinal. São todos sertanejos do sertão de suas próprias almas. São pequenos pontinhos de tinta que juntos formam o quadro do nosso grande sertão Brasil."
-Maria Joana-

Já que nostalgia é uma delícia.